Nell perde a virgindade
por Bruno CarmeloBoas e más notícias para os fãs de O Último Exorcismo (2010). Primeiro, as más: o estilo found footage, com imagens pretensamente reais e filmadas por anônimos, é abandonado em O Último Exorcismo: Parte II, algo que pode decepcionar os fãs do gênero. As imagens de possessão, neste segundo filme, são raras, e muitas vezes os corpos se contraindo não pertencem a Nell, e sim a anônimos tendo uma manifestação bastante natural – no caso, simples convulsões. Se existe um momento em que a garota se contorce em sua cama, é durante um potente orgasmo noturno.
Isso nos leva aos pontos positivos do filme, felizmente muito mais numerosos que os negativos. Nesta sequência, o demônio tem um motivo muito específico para se apoderar do corpo da garota: ele está apaixonado por ela. A premissa pode parecer ridícula, mas o “amor” é traduzido, neste caso, como desejo sexual. O demônio despe lentamente a protagonista enquanto ela dorme, e chega a assumir a forma humana para melhor possuí-la. “Eu quero entrar no seu corpo!”, ele afirma, sem muita ambiguidade.
Essa obsessão sexual domina O Último Exorcismo – Parte II, com um resultado no mínimo inesperado. A virginal e religiosa Nell (Ashley Bell) começa a experimentar desejo por homens, mas não cede à tentação (“Garotos não!”, ela grita a um rapaz que tenta beijá-la). A ideia do sexo começa a ocupar seus pensamentos, e se traduz em alguns dos melhores momentos do filme: trabalhando como camareira, a jovem passeia por um corredor de hotel, enquanto ouve os altos barulhos que ecoam dos quartos. Quase todos são frases de amor, ou gemidos de prazer. Em outro momento, a protagonista se excita com o alto ruído de uma relação sexual no quarto ao lado – e ao encostar o ouvido na parede, o demônio penetra-a pelas orelhas.
O filme inteiro pode andar pela linha tênue entre a ousadia e o absurdo, pendendo ora para um lado, ora para outro. Mas o diretor não tem medo de explorar a fundo suas escolhas e fazer referências a clássicos como Os Pássaros, de Hitchcock, ou Repulsa ao Sexo, de Polanski. Ed Gass-Donnelly adota uma estética muito interessante, incomum em filmes do gênero. Existem planos-sequência com sons altos que ocupam a mente de Nell (sons vindos do Mardi Gras, o equivalente do Carnaval americano, quando as extravagâncias da carne são toleradas), belos planos dentro de sua nova casa, e principalmente imagens inteligentes e bem construídas de mortes.
(Atenção, a partir daqui, o texto contém alguns spoilers...)
Sem mostrar o sexo nem as mortes de perto, o diretor consegue manter sua classificação etária baixa ao sugerir muito, e mostrar pouco. Os assassinatos são vistos de fora dos cômodos, pela fresta das portas, por trás de vidros jateados. Uma cena chama a atenção: a imagem fixa nos apresenta a fachada de um sobrado suburbano qualquer. Sabemos que Nell está lá dentro, devidamente possuída e buscando corpos para destruir. Segundos depois, um cadáver voa da janela de cima e se quebra no chão. Um pouco mais tarde, sangue jorra contra a janela do andar de baixo. Poucos filmes de terror recentes construíram imagens tão belas e sugestivas quanto esta. Em uma obra que assume seu lado voyeurista, o diretor sabe deixar muito à imaginação do espectador.
Alguns críticos reclamaram que O Último Exorcismo – Parte II seria reacionário, por associar o sexo à imagem do demônio. Ora, as colegas de Nell vivem muito bem sua sexualidade, falando o dia inteiro de sexo oral e do tamanho do pênis dos companheiros, sem serem perturbadas por nenhuma presença maligna. O demônio aparece como metáfora do desejo da protagonista, forçando-a a expressar algo que sente naturalmente. Aliás, todos os personagens afirmam que é surpreendente ela não ter um namorado, nem ter tido relações sexuais em sua idade. O desejo está presente, e o demônio não pretende deixá-la em paz até que Nell o concretize.
Neste sentido, a trama sugere um ponto de vista a favor da expressão sexual feminina, com direito a algumas indicações de lesbianismo com a personagem interpretada por Julia Garner. A maior prova dessa liberação sexual é a possessão, enfim, de Nell. Sem entrar em detalhes, para não estragar a surpresa, basta dizer que a personagem vive muito melhor quando possuída, fazendo o que bem entende e deixando de ser apenas uma garotinha comportada. A transformação vivida por Ashley Bell é impressionante.
No final das contas, este filme tem, sim, uma coleção nada negligenciável de clichês e momentos patéticos, além de uma porção de pequenos sustos e outros momentos fáceis. Mas no fundo, através da trama de liberação erótica de Nell, O Último Exorcismo – Parte II funciona como uma dessas fábulas de apoderamento sexual feminino, nos quais as mulheres tornam-se melhores, mais fortes e mais ativas quando são instigadas a manifestarem seus desejos. Nell lembra bastante Carrie, A Estranha, a tenente Allen Ripley de Alien, o 8º Passageiro ou ainda Megan Fox em Garota Infernal. Todas são mulheres que, ao entrarem em contato com forças ou poderes do mal, ganham independência, coragem e atitude. O belo final mostra justamente que, quando Nell aceita seu lado “malvado”, nasce uma nova heroína.