Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Xingu

Respeitar o igual

por Roberto Cunha

Algumas pessoas parecem predestinadas a uma experiência de vida fascinante. Os irmãos Villas-Bôas, sem sombra de dúvida, fazem parte deste seleto grupo. Largando o conforto da cidade grande para viver no meio do mato e em companhia dos índios, suas conquistas são muitas, sendo impossível fazer pouco da criação do Parque Nacional do Xingu (1961), a mais significativa e emblemática de todas. Inspirado na história real desses sertanistas, Xingu foi dirigido por Cao Hamburger (O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias) a convite de Fernando Meirelles (Cidade de Deus), que produziu o longa e recebeu o projeto das mãos do filho de Orlando Villas-Bôas.

Misturando doses sutis de drama, suspense, aventura e ação, a trama mostra desde os primeiros passos - mata adentro - dos três irmãos, Orlando (Felipe Camargo), Cláudio (João Miguel) e Leonardo (Caio Blat), até a criação do parque propriamente dita, revelando os efeitos paralelos que essa convivência com os nativos causou nas relações entre as três partes: brancos, índios e os Villas-Bôas. Com a maioria das cenas rodadas no Tocantins, é difícil não ser capturado pelas belas imagens, aliadas da fotografia e a trilha de dois parceiros de outros "carnavais" do diretor: Adriano Goldman e Beto Villares, respectivamente.

Dotado de algumas boas frases ("Terra desocupada tem dono") e fortes constatações, como o fato de que "civilizar" iria destruir os índios e que uma "fronteira", paradoxalmente, seria a única salvação para eles, o ponto fraco do longa pode estar no roteiro do cineasta em companhia de Anna Muylaert (É Proibido Fumar). Provavelmente encurralados entre um grande volume de informações e a vontade de usá-las, o que se vê na sala escura, em alguns momentos, são licenças criativas para a narrativa seguir seu rumo, mas não sem se perder (um pouco) na hora de gerar um maior envolvimento no espectador.

Não se trata, porém, de um filme frio. Longe disso. Mas a opção por velar relacionamentos amorosos (Maria Flor faz ponta), além de flechadas no preconceito e em questões de ordem política, não fazem "sangrar muito o coração" de quem senta diante da obra. Como resultado, cenas que poderiam ir mais fundo ficaram superficiais, apesar do apelo visual, como aconteceu na sequência da infestação da gripe ou na outra da aldeia atacada por brancos. Conflitos entre os personagens, mortes, tristezas, alegrias, tudo muito fugaz, dando a "ligeira" impressão que umas pitadas de Dança com Lobos (1990) e seu tema correlato, seriam de grande valia.

Ainda assim, mesmo que você não seja alguém antenado nos crimes contra o meio ambiente ou, quem sabe, nunca se interessou pelas causas indígenas, seria igualmente criminoso deixar de assistir essa produção bem realizada. Um filme sobre os três "heróis" brasileiros, desbravadores indicados ao Nobel da Paz, que lutaram para preservar nossas origens. Afinal, se fossem lideradas por outros, essas expedições para o progresso (esse inexorável vilão) teriam um resultado bem diferente porque eles souberam respeitar o igual: o ser humano.