Hollywood nórdica
por Bruno CarmeloA primeira impressão diante deste filme pode ser negativa, especialmente para quem espera uma abordagem realista. Sabendo que a expedição do título foi real, e que já deu origem a um documentário, a nova versão fictícia surpreende pelo tom mágico: um pesquisador obstinado, Thor Heyerdahl (Pål Sverre Valheim Hagen) decide provar ao mundo inteiro que o sudeste da Ásia foi colonizado pelo leste (partindo do Peru, mais especificamente), e não pelo oeste, como diziam os livros de História. Para isso, decide se lançar em uma aventura suicida, fazendo o mesmo trajeto que teriam feito os peruanos sobre uma pequena jangada precária, cercado por uma tripulação inexperiente.
O início é repleto de músicas em tom de coragem e idealismo (muito violino, xilofone), personagens surrealistas (o homem manco que defende Thor), belos sacrifícios (o protagonista deixa a esposa e os filhos para embarcar no Kon-Tiki) e discursos inspiradores proferidos no topo de prédios, banhados pelas estrelas e pela luz do luar. Estes primeiros quinze minutos são tão românticos, tão cheios de artifícios que poderíamos acreditar estar diante de alguma aventura clássica da Disney, como Mary Poppins, Robin Hood ou Peter Pan.
No entanto, se o espectador souber abandonar a expectativa de realismo e neutralidade, a aventura que se segue é impressionante. Com um elenco talentoso, o roteiro confere aos homens do Kon-Tiki personalidades bem distintas, embora não necessariamente complexas. A trama equilibra a participação de cada um, dosando elementos de ação, drama, romance e suspense. Esses momentos são acompanhados por uma trilha sonora grandiosa e bela, que inicia e termina nos segundos exatos. De fato, a mecânica do projeto segue a cartilha de bom gosto da indústria americana, respeitando cada elemento estético e narrativo dos grandes estúdios como se tivesse medo de cometer alguma gafe, algum erro de etiqueta.
Da mesma maneira, a jornada em pleno mar funciona como um relógio suíço: a cada dez minutos chega um novo conflito (tubarões, madeira da embarcação se desfazendo, baleias, recife de corais pontiagudos, briga entre os tripulantes), resolvido de maneira satisfatória, para criar um instante de calma e logo desencadear o conflito seguinte. Enquanto isso, os diretores Joachim Rønning e Espen Sandberg encontram diversos ângulos e movimentos de câmera para conferir ritmo a um filme que se passa quase inteiramente sobre a pequena jangada, no mar aberto. Os demais aspectos são desempenhados com excelência – a montagem, os efeitos sonoros e a iluminação são primorosos – lembrando a qualidade que os grandes diretores de Hollywood costumavam mostrar. A Aventura de Kon-Tiki não deve nada às produções de Steven Spielberg ou Robert Zemeckis.
Apesar destas qualidades, é preciso lembrar que não existe um único momento de originalidade em todo o filme. Tudo ocorre como esperado, no momento esperado. Esta é uma produção nórdica falada em inglês, concebida para a exportação, mais diretamente para o público de multiplexes, que busca justamente uma satisfação emocional (rir, chorar, ter medo) aliada ao reconforto de encontrar exatamente aquilo que procurava. Para o espectador em busca de um mínimo de inovação ou complexidade psicológica, no entanto, o resultado pode ser decepcionante. Por fim, A Aventura de Kon-Tiki serve para reafirmar a posição das grandes produtoras nórdicas (Nordisk, Zentropa) como algumas das maiores do mundo, conseguindo estabelecer imensas coproduções, às vezes com sete ou oito países envolvidos, e reunir em uma mesma obra alguns dos melhores profissionais do cinema.