Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Além do Arco-Íris

Fábula dos tempos modernos

por Bruno Carmelo

A comédia Além do Arco-íris parte de uma premissa interessante: investigar como os contos de fada moldam nossas expectativas quanto ao amor, à família e à morte. Habituados aos filmes corais, com dezenas de personagens interagindo sem um protagonista se sobrepondo os demais, Jean-Pierre Bacri e de Agnès Jaoui combinam a paródia mais explícita e as indiretas sutis aos costumes ocidentais.

Os ataques ao amor romântico são os mais ferozes, e os mais divertidos. Agathe Bonitzer interpreta uma garota ingênua, que se apaixona por um garoto em uma festa após um sonho indicar uma situação semelhante. Os momentos com os dois comendo maçãs do amor, roçando os narizes e rolando no gramado de um parque constituem as representações mais voluntariamente ridículas que o cinema já ofereceu sobre o amor. Como a ideia é subverter o gênero, é o mocinho que perde um sapato na festa, e depois a princesa adormecida acorda não com um beijo, mas com um forte tapa na cara.

Já as relações à vida e à morte levam o filme para um lado mais sombrio, niilista. Jean-Pierre Bacri está excelente em um papel que ele domina como poucos: o homem amargurado e excessivamente racional. Seu personagem se confronta à superstição de uma vidente, sugerindo que ele estaria com os dias contados. As cenas de família, símbolo maior da moral e dos bons costumes, são utilizadas para ensinar às crianças que o parente morto não está no céu, e sim enterrado sob a terra. E não, ele não vai voltar, não vai virar uma estrela, um espírito nem nada do tipo. Morreu e pronto.

O humor negro contamina a fotografia, que troca o tom ensolarado dos contos por cores sempre sombrias, cômodos mal iluminados, cozinhas amareladas. O aspecto multicolorido também se transforma em uma predominância de imagens cinzentas, ocres. Tudo é devidamente pensado para reverter a herança moral dos contos. Com tantas histórias, personagens e subtramas, alguns momentos parecem mais divertidos que outros, mais pertinentes que outros. Algumas cenas fazem referência clara às fábulas (Chapeuzinho Vermelho em especial), outras parecem apenas situar a história nos tempos modernos (a longa discussão sobre como usar um computador).

Neste momento, Além do Arco-íris parece mostrar os limites de sua proposta. O filme hesita com muita frequência entre a comédia mordaz, o drama de costumes, o sarcasmo e o grotesco. A diretora, roteirista e atriz Agnès Jaoui ora representa, ora satiriza, ridiculariza, insinua, menciona... A confusão de tons, aliada à confusão de personagens, compromete a coerência do conjunto. Em alguns momentos, o espectador pode se perguntar aonde a diretora pretende levar tudo isso, ou o que realmente teria a dizer sobre o seu tema.

Mas restam alguns momentos, jogados pela trama desconexa, que possuem valor em si mesmos, como pequenos episódios. A garota do teatrinho da escola, pedindo para interpretar uma árvore ao invés da princesa, ou o homem solitário, olhando para o relógio em casa, revela que por trás de toda a reflexão e de todas as referências, existe um verdadeiro carinho dos diretores pelos personagens e pelos contos citados. Essa leveza, meio instável e disforme, garante o interesse de Além do Arco-íris.