Magia por todos os lados
por Bruno Carmelo“Antes de entrar na sala de cinema, deixe o cinismo do lado de fora”. Essas foram as palavras dos atores Colin Farrell e Jessica Brown Findlay em uma das entrevistas sobre Um Conto do Destino. Os dois provavelmente já previam alguma dificuldade para o público aceitar a história com um estranho cavalo alado, milagres às pencas, pessoas que não envelhecem e Will Smith no papel de Lúcifer, ou “Lu”, para os íntimos. De fato, apesar de o livro original ser popular e respeitado nos Estados Unidos, a versão cinematográfica adota tão cegamente o tom fantástico que só pode ser aceita por um espectador profunda e sinceramente romântico.
Para todos os outros, o filme lembra uma dessas histórias doces, cheias de reviravoltas, que os pais contam aos filhos pequenos antes de dormir. O que importa é menos o sentido do que o brilho, o encantamento, os efeitos. A diferença, no caso, é que uma dessas historinhas foi ilustrada com um orçamento de US$60 milhões e, acima de tudo, contada aos adultos. Talvez esse seja o elemento mais perturbador desta produção: tentar vender ao público maduro um roteiro cujo maniqueísmo faria mais sentido nas histórias de princesas e dragões dos desenhos infantis.
Não que o livro seja melhor, ou pior – o autor desta crítica não leu a obra de Mark Helprin -, mas incomoda a trama lisa, asséptica, em que a violência não tem sangue, o sexo não tem prazer, o amor não tem sedução. Tudo é entregue ao espectador como um fato: o mocinho se apaixona porque sim, o vilão quer matá-lo ao longo de um século inteiro porque sim, outra garotinha aparece em seu caminho porque sim. É o destino, com sugere o título nacional, ou então são milagres, como dizem os personagens. É preciso ter muita fé e credulidade para acatar tamanhas liberdades com a coerência narrativa.
Os atores se esforçam, e neste sentido merecem respeito por conseguirem atribuir verossimilhança a frases como “Não me elogie mais, senão vou derreter toda a neve sob os meus pés” ou “Eu sou um ladrão, não posso roubar apenas uma vida?”. Para o bem ou para o mal, o demônio Russell Crowe torce o queixo, abaixa o olhar e transforma a voz de maneira exageradíssima, mostrando comprometimento com esta visão etérea e escapista do mundo. Já Jennifer Connelly e Eva Marie Saint, cujas personagens têm menor relação com a magia e os efeitos especiais, estão convincentes e emocionantes em seus papéis dramáticos.
Por fim, Um Conto do Destino funciona como uma versão menos criativa visualmente de Amor Além da Vida, ou uma releitura menos romântica de Cidade dos Anjos. Certamente, ainda falta descobrir porque Colin Farrell usa esse corte de cabelo no começo dos anos 1910, e porque Will Smith interpreta Lúcifer com sua voz habitual e com trajes de hipster. Os conceitos elaborados pelo diretor Akiva Goldsman e sua equipe não ficam nada claros, mas se existe um verdadeiro mérito nesta história atípica, é nadar contra a norma de Hollywood e acreditar no sucesso de um tipo de magia e ilusionismo que a indústria abandonou há muito tempo.