Críticas AdoroCinema
0,5
Horrível
O Apocalipse

Fundo do poço

por Francisco Russo

Diz a Bíblia que, no juízo final, aqueles puros de alma, que acreditam em Deus, serão alçados ao paraíso. Os descrentes e pecadores permanecerão na Terra e viverão um verdadeiro inferno por sete anos, onde todo tipo de desgraça atingirá a humanidade. A série de livros "Deixados para Trás", de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins, aborda justamente esta proposta. Trata-se de uma ficção científica de fundo religioso, que acompanha a vida daqueles que ficaram, cuja trama foi adaptada para o cinema em uma trilogia lançada diretamente em DVD no Brasil. Agora o primeiro destes filmes ganha uma nova roupagem e um novo título, com o objetivo maior de conseguir mais adeptos, ou melhor, espectadores. Para tanto os produtores conseguiram fisgar justamente o astro que, há tempos, perdeu o discernimento sobre qualidade na sétima arte: Nicolas Cage.

Cage é um caso impressionante em Hollywood. De ator em ascensão, presente em filmes cult como Coração Selvagem e Arizona Nunca Mais, a ganhador do Oscar por Despedida em Las Vegas. Promoveu uma reviravolta na carreira e passou a estrelar filmes de ação, um atrás do outro. De cara vieram sucessos: A Outra Face, Con Air, A Rocha. Aos poucos, o roteiro piorava e os clichês se repetiam. Ele pouco se importava e seguia em frente. Sem resistir a uma produção com um pé no trash, virou piada. "Mais um filme ruim de Nicolas Cage" se tornou lugar comum. Mas ele nunca havia se sujeitado a uma produção tão medíocre quanto O Apocalipse. E a palavra é esta mesma: medíocre.

É bem verdade que Cage, neste filme, até não está (tão) ruim assim. Seu piloto galanteador, com problemas no casamento, até oferece alguns momentos interessantes pela dubiedade inicial do personagem, impulsionada pela canastrice na arte da sedução. Sua responsabilidade maior é em ter aceito estrelar esta refilmagem; sem ele provavelmente o projeto não sairia do limbo.

O que mais impressiona em O Apocalipse é o quanto a produção é amadora. Seja em detalhes como uma fotomontagem grosseira em um porta-retrato ou nos efeitos especiais canhestros, passando pela trilha sonora manipuladora e por mensagens religiosas enfiadas goela abaixo do espectador. Logo nos 15 minutos iniciais o público já é brindado com uma discussão (???) sobre o papel do homem ao macular o mundo criado por Deus. Tudo sem sutileza alguma, com direito a dedo na cara e tudo o mais, onde leva quem falar mais alto. Por mais que a trama em questão possua um fundo religioso, há no filme uma necessidade de catequisar que incomoda - e muito! Só que, mesmo neste intuito, o filme fracassa pelo modo como a fé é apresentada: não há profundidade nem debate sobre o estado de espírito e sua importância, apenas sua utilização como meio de salvação. "Se você acredita em Deus, parabéns, seu lugar no céu está garantido. Se não, que pena, você vai sofrer na Terra mesmo". Um beabá tendencioso e interesseiro que subestima a inteligência do espectador.

Entretanto, os problemas maiores aparecem de vez é quando acontece o desaparecimento de milhões de pessoas, num estalar de dedos. É a hora do arrebatamento, de escolher quem fica e quem vai. O pânico se instaura por todo canto, causando os mais variados transtornos. No céu, Cage e sua tripulação precisam encontrar um meio de acalmar os passageiros. Em terra, sua filha (Cassi Thomson, perdida) precisa encontrar a mãe e o irmão sumidos. Ambos enfrentam problemas sérios, decorrentes da violência instaurada e também da imensa quantidade de situações absurdas. É hora também para que os passageiros discutam (a sério!) hipóteses insólitas como a possibilidade dos desaparecidos estarem invisíveis, de terem sido escondidos por algum ataque terrorista, de terem sido abduzidos... isto por um grupo de personagens absurdamente estereotipado. Em terra, a edição capricha nos saltos de tempo e de lugar, ressaltando mais uma vez o quão precária é a produção.

A bem da verdade, a trama de O Apocalipse poderia ser resumida em cerca de 20 minutos. Todo o restante é mera encheção de linguiça para trabalhar a questão do pânico e do desconhecimento sobre o que está acontecendo. Inclusive, a descoberta de que Deus está de alguma forma envolvido na história é feita de forma risível, ainda mais pela segurança com que é afirmada. Um punhado de diálogos piegas e um  desfecho repleto de falsa tensão completam este show de horrores. Nicolas Cage já fez muita porcaria, mas desta vez ele se superou: O Apocalipse é o fundo do poço que poderia chegar. Resta apenas torcer (rezar?) para que a anunciada sequência jamais saia do papel - pelo bem dos espectadores, de Cage e até do Espírito Santo. Amém.