Tapas e beijos
por Bruno CarmeloMila e Javier formam um casal na faixa dos quarenta anos de idade. Mas não um casal qualquer: eles são jovens, descolados, transam o tempo todo, riem, sorriem, jogam pingue-pongue na sala de casa, fazem piadas, visitam lugares proibidos de madrugada, fazem a festa com os amigos noite adentro. Eles usam roupas largas, cabelos despenteados, têm tatuagens pelo corpo, bebem quando querem. Enfim, um casal alegre e inconsequente, que faz horas de plantão no hospital – eles são cirurgiões cardíacos – mas parece não conhecer o cansaço. Os dois também são impulsivos, com tendência a brigar, gritar, jogar vasos pelas paredes e depois se amar com fervor.
Ah, e tem mais um detalhe: Javier é alcoólatra, e Mila acaba de descobrir uma gravidez indesejada. O público não tem dificuldades para descobrir essas informações, despejadas na tela de modo mecânico: ele é visto bebendo logo na primeira cena, antes de entrar na sala de operação. Já ela comenta no trabalho que está com um pouco de enjoo, ao que uma colega responde: "É óbvio do que se trata, não é? Há quanto tempo você não menstrua?". Simples assim. Cada cena em que ele aparece reflete o problema dele (o patrão quer afastá-lo do cargo, os amigos se preocupam); cada cena em que ela aparece reflete o problema dela (ela não sabe se aborta ou não). Assim, de maneira curiosamente individual, De Coração Aberto explora as feridas de um casal.
Este drama francês parte de boas intenções, com estética naturalista e algumas metáforas imagéticas pelo caminho, mas ele surpreende pelo roteiro truculento, artificial, com falas ora risíveis, ora explicativas. A história oferece a simbologia dos macacos (nas tatuagens, nos bichos de pelúcia), tenta mostrar a queda da relação através da deterioração física do apartamento do casal, mas nenhuma dessas metáforas é realmente explorada. De tão dispersa que é a narrativa, o pobre montador Luc Barnier não consegue encontrar uma maneira de conectar uma cena com a outra, recorrendo ao recurso bastante precário de simplesmente escurecer as cenas ("fades") em plena ação. Fica a impressão de que parte do material precisou ser remontada, a história repensada, até se conquistar algo coerente na edição. Apesar de nomes importantes na produção, como Nathanaël Karmitz, o longa-metragem transparece o amadorismo, a inexperiência da diretora Marion Laine.
Já Juliette Binoche e Edgar Ramírez são certamente atores talentosos, mas não encontram o tom certo entre o naturalismo da estética e a artificialidade da história. Ambos fazem do corpo o palco de todas as emoções – ele arrasta os pés sangrando pelo asfalto, ela carrega sacos de cimento pelas escadas, em fase avançada de gravidez – e se entregam sem medo ao projeto, mas dificilmente provocarão alguma empatia com o espectador. Mesmo diante de uma obra tão passional, dificilmente algum espectador compartilhará essas dores de amores. Mas existe, sim, uma boa razão de pensar que De Coração Aberto poderia ter um sucesso modesto no Brasil (depois do fracasso na França natal): sua idealização dos amores autodestrutivos combina bem com a cultura catártica das telenovelas, com seus gritos, beijos e tapas em close-up. Esta história pode saciar em alguns espectadores o desejo de escapismo sentimental.