Críticas AdoroCinema
3,0
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Hannah Arendt - Ideias Que Chocaram o Mundo

O olhar da filósofa

por Bruno Carmelo

Tanto o pôster nacional quanto o internacional de Hannah Arendt mostram a personagem principal olhando para algum ponto distante, refletindo. Não falando, escrevendo livros ou dando aulas, apenas pensando. Estas imagens são recorrentes no filme: existem dezenas de cenas de Arendt fumando e observando através das janelas, refletindo com um jornal nas mãos ou assistindo à televisão silenciosamente.

Isso se explica porque esta biografia não tem a pretensão de resumir a trajetória de sua personagem, e sim compreender uma única coisa: como surgiu a ideia ousada de que Adolf Eichmann, um colaborador de Hitler e coordenador dos campos de concentração, poderia não ser antissemita, enquanto líderes judeus teriam sido coniventes com o genocídio de seu próprio povo.

Não é fácil captar em imagens o nascimento de uma ideia, e felizmente a diretora Margarethe Von Trotta evita a tentação de fornecer explicações pontuais. Seu filme prefere traçar um painel do contexto da época, deixando o espectador tirar as suas próprias conclusões. Este é o primeiro mérito do filme: respeitar a complexidade de seu tema sem reduzi-lo a um jogo de causas e consequências.

Outro mérito da direção encontra-se no retrato ponderado da filósofa. Von Trotta não presta homenagem, não transforma Arendt em heroína nem mártir do seu tempo. A história começa quando a personagem já é famosa no meio intelectual – ou seja, não é revelada sua trajetória de ascensão -, e termina antes que suas ideias provocadoras marquem para sempre a sua carreira – ou seja, some a noção de uma mulher à frente do seu tempo, mais perspicaz do que todos ao redor. São raríssimos os planos próximos no rosto de Barbara Sukowa, ou os arroubos de genialidade. Arendt aparece como um produto do seu meio e do seu tempo, fundindo-se aos cômodos (todas as cores, dos figurinos aos cenários, são pálidas, beges e cinzentas) e aos meios social e cultural em que está inserida.

Esse olhar reflexivo encontra seu ápice em uma bela cena, rumo ao final. Depois de ser longamente atacada por suas ideias, sem jamais reagir, Arendt tem a oportunidade de discursar diante de uma grande plateia. Qualquer outra biografia que fornecesse um palanque ao seu personagem principal transformaria a cena em um momento inspirador, repleto de trilha sonora comovente e expressividade acentuada do ator ou atriz (como em Milk - A Voz da Igualdade, Invictus, Duelo de Titãs). Mas esta cena típica é mostrada da arquibancada, como se a cineasta fosse um espectador respeitoso como qualquer outro.

Talvez, ao escolher uma abordagem tão distanciada, Hannah Arendt resulte em uma obra fria, linear, sem clímax preciso. Seu título amplo pode sugerir justamente uma pretensão que a obra não tem: a de resumir toda a vida da filósofa. Existem também algumas cenas que contribuem pouco ou nada à trama, como os flashbacks da juventude (que, de tão raros, dão a impressão de terem sido substancialmente cortados na edição) e as explicações de seu caso amoroso com Martin Heidegger.

Este projeto parece ter sido, no início, abrangente e convencional, tentando incluir também uma retrospectiva pessoal de Arendt. Mas o filme foi beneficiado por um olhar mais enxuto. Ao escolher um episódio pontual na trajetória da biografada (o julgamento de Eichmann), Von Trotta teve a possibilidade de se aprofundar. Esta aparente mudança de rumos deixa as suas marcas em algumas cenas, algumas delas parecendo curtas demais, outras pouco contextualizadas. Mas Hannah Arendt, o filme, tem a louvável qualidade de admirar sua personagem por suas ideias, e não por sua vida pessoal – fazendo deste filme uma biografia acima da média.