Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
O Bom Gigante Amigo

Preconceito disfarçado

por Francisco Russo

Se hoje o cinema comercial investe fortemente em filmes de fantasia, um dos grandes responsáveis é Steven Spielberg. Diretor de E.T., Jurassic Park e Hook - A Volta do Capitão Gancho, Spielberg tem como uma de suas principais características dar margem à imaginação em filmes que lidam com o sonho, no sentido de tornar possível algo mágico. Diante de tal histórico, nada mais natural que se interessasse em dirigir a adaptação para as telonas de "O Bom Gigante Amigo", célebre livro infantil escrito por Roald Dahl, o mesmo autor de ícones como A Fantástica Fábrica de Chocolate e Matilda. Só que, desta vez, o tiro saiu pela culatra.

De início, O Bom Gigante Amigo até chama a atenção. O visual estilizado de Londres, explorando suas sombras e névoas de forma a favorecer que o tal personagem-título não seja visto pelos humanos, é interessante. Logo é criada uma espécie de esconde-esconde que, por mais que precise contar com a boa vontade do espectador para ser aceito, funciona dentro deste universo fantástico. Entretanto, à medida que começa a jornada entre a pequena Sophie (Ruby Barnhill, de visual ambíguo) e o tal gigante, os problemas se acumulam.

Um deles é em relação aos efeitos especiais. Por mais que haja um nítido apuro estético, especialmente nas sequências em que o pulo no lago provoca a troca de ambientes, há também uma certa mecanização nas cenas em que Ruby Barnhill precisa contracenar com o chroma key, de forma que se preste mais atenção em seus malabarismos sincronizados do que propriamente na cena em questão. Há também um certo exagero neste ambiente quase todo construído em CGI, que provoca um certo cansaço visual pela ausência de novidades no decorrer da narrativa. Mesmo o impressionante detalhismo das expressões faciais do BFG, replicadas do rosto de seu intérprete, Mark Rylance, perde o impacto no decorrer do filme.

Outro problema sério é a trilha sonora, irritantemente onipresente no longa-metragem. São raríssimos os minutos em que não se ouve alguma canção, o que por vezes até mesmo prejudica os diálogos dos personagens. Além disto, certos trechos lembram demais a música-tema da saga Harry Potter, composta pelo mesmo John Williams. É como se, em O Bom Gigante Amigo, estivesse plagiando a si mesmo.

Entretanto, nenhuma destas questões técnicas supera o problema mais sério, conceitual, em relação às ideias propagadas pelo livro (e também pelo filme, como consequência) em torno da supremacia britânica em relação às demais culturas. Há em O Bom Gigante Amigo um preconceito explícito de forma a diminuir os gigantes, por mais que sejam eles os seres que habitam o planeta desde o início, da mesma forma que uma exaltação dos valores da sociedade britânica em detrimento a tudo que lhe é diferente. Isto fica bastante nítido no trecho em que BFG, submisso, visita a rainha da Inglaterra, imponente, e precisa se adequar às regras dela. Trata-se de mais uma versão, através de metáforas infantilizadas, da supremacia do império perante suas colônias (ou colonizados), algo inaceitável em um ambiente de respeito à diversidade e ao livre-arbitrio.

Bastante infantilizado, O Bom Gigante Amigo é um filme cansativo que tem nos efeitos especiais sua grande base de sustentação. Por mais que estes sejam tecnicamente bem feitos, são também mal aproveitados pela narrativa, proporcionando cenas bobas envolvendo flatulências e bullying. Spielberg, tão incensado pelo impacto que provocou no cinema de fantasia, aqui demonstra um estranho comodismo, seja pela repetição de formatos e temas ou pela displicência com a própria mensagem transmitida pelo filme, mesmo que indiretamente. Não apenas decepciona, mas é também um dos piores filmes de sua carreira.

Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.

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