Para chinês ver (?)
por Renato HermsdorffHollywood (a dos blockbusters, pelo menos) não pode ser vista hoje em dia sem que se leve em consideração um ponto de vista bem peculiar. E distante. Mais especificamente, o desempenho de uma superprodução norte-americana junto às bilheterias na China. O superpovoado país asiático é hoje o grande responsável pelo sucesso comercial de filmes como Transformers, por exemplo – cuja fórmula vem dando sinais de cansaço no mercado doméstico dos Estados Unidos. E poucos são os filmes de orçamento superlativo que se pagam sem o aditivo do yuan – Deadpool, banido por lá, é a exceção que confirma a regra.
Portanto, ao deslocar um ator da A-list do star system hollywoodiano para o outro lado do mundo e inseri-lo na trama de uma suposta lenda milenar que se passa num monumento-símbolo da cultura chinesa (A Grande Muralha do título), não se engane, a motivação, aqui, é, antes de mais nada, e estritamente, mercadológica.
A bola da vez é Matt Damon. O astro interpreta um mercenário em busca de “pó negro” que, depois de escapar do ataque de uma criatura misteriosa, acidentalmente se encontra aos pés da Grande Muralha. Lá, William e seu companheiro Tovar (Pedro Pascal) acabam aprisionados por guerreiros na iminência de sofrerem um ataque de seres jamais vistos pelos ocidentais. O conflito central se estabelece quando o herói tem a chance de optar entre lutar ao lado daqueles que o aprisionaram; ou fugir carregando o máximo de “pó negro” (pólvora, gente) que conseguir na calada da batalha.
Considerando o tipo de filme que é, não é preciso queimar muito neurônio para saber qual caminho William decide seguir. Previsível, o roteiro de The Great Wall (no original) é uma sucessão de déjà vu encadeados entre o disparar de uma flecha e outra. Tudo é explicado, não há nenhuma surpresa. Difícil encontrar na coprodução entre os dois países dirigida pelo chinês Zhang Yimou alguma letra da assinatura do cineasta de O Clã das Adagas Voadoras.
Com um latino (Pascal, de Game of Thrones, fazendo o “alívio cômico”) e uma figura feminina de destaque (Jing Tian, uma guerreira badass) seria de se supor que, ao menos, o filme teria algum investimento em diversidade - não que fosse necessário, mas já configuraria um diferencial para o gênero. Mas o palpite é falso, na medida em que (mais uma vez) é o (spoiler? Jura?) herói branco o salvador da pátria. Também não ajuda a caracterização ‘Power Rangers’ dos guerreiros chineses num cenário que supostamente se passa no século XV – é risível.
Sim, há boas cenas de batalha (embora o CGI grite de uma tal maneira que se desconfia até da veracidade da unha de Matt Damon); sim, há uma moral construtiva a respeito da ganância humana. Mas, longe de se posicionar em cima do muro (desculpem), A Grande Muralha pende para o lado dos norte-americanos, no sentido de que a experiência deixa um forte senso de mais do mesmo.