Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Viúvas

As amantes

por Bruno Carmelo

Poucas pessoas de carne e osso têm a lucidez de deixar uma última frase ou conselho a um ente querido antes de morrer. Mas o cinema permite, por exemplo, que o enfermo Augusto peça à sua amada e fiel esposa Elena (Graciela Borges) para cuidar de sua amante Adela (Valeria Bertuccelli), porque esta pobre é muito frágil, e não sobreviverá ao luto sozinha. Está instaurada a premissa tragicômica de Viúvas.

Esta dramédia vive, portanto, do embate entre essas as mulheres, unidas pelo mesmo homem e separadas pelas instituições: uma é a legítima, a outra é a amante. Uma é idosa, respeitada, rica, já a segunda é jovem, pobre e instável emocionalmente. Forçar a convivência entre opostos sempre foi uma ferramenta fácil para criar conflitos, mas o diretor e roteirista Marcos Carnevale evita a simplicidade, e leva mais de uma hora para de fato aproximar as duas mulheres. Elas se encontram, se rejeitam, se cruzam novamente, até diversos artifícios da história instaurarem o convívio. O primeiro mérito deste filme é deixar o drama se instalar com calma, permitindo que o luto seja o revelador da personalidade de cada mulher aos olhos do público.

Outra grande qualidade da produção está nos ricos personagens coadjuvantes. São estes os encarregados de trazer o humor quando as protagonistas forçam a balança para o lado do drama. Rita Cortese está excelente no papel de Esther, a temperamental colega de trabalho de Elena, e Martín Bossi é uma revelação. Este humorista, mais conhecido pelas caras e bocas do que pelo talento dramático, compõe a empregada doméstica Justina, uma travesti de gestos contidos, poucas expressões, mas um grande coração. O ator transfere uma mistura bem dosada de agressividade e compaixão ao personagem.

Já as atrizes principais chamam a atenção por outros motivos. Bertuccelli não é conhecida pelos papéis catárticos, mas ela se esforça para construir com o corpo frágil e as expressões contorcidas a figura de uma mulher com tendências suicidas. Graciela Borges, respeitadíssima diva do cinema argentino, aparece limitada – não pela falta de dotes dramáticos, mas pela grande quantidade de cirurgias plásticas no rosto, que impedem a maioria dos movimentos musculares. Entende-se que o imperativo da juventude force muitas atrizes idosas a recorrerem ao bisturi e ao Botox, mas no caso de um ator isso pode ser tão contraproducente quanto cortar as pernas de um jogador de futebol. Enfim...

A certa altura da trama, o espectador pode se questionar sobre o desfecho. As duas já se conheceram, já começam a se tolerar, mas para onde isso vai? Elas vão se tornar melhores amigas? Improvável. O roteiro parece adotar o pior caminho possível, fazendo surgir de lugar nenhum dois homens jovens, românticos e bondosos, um para Adela, outro para Elena. Nada melhor para curar um amor desfeito do que um novo amor, certo? Errado. Carnevale felizmente evita este deus ex machina e usa os moços apenas para mostrarem as feridas ainda vivas das protagonistas.

Apesar de não ser inovador, Viúvas é um drama muito bem feito e escrito, no qual os personagens parecem ditar os rumos do roteiro, e não o contrário. É sempre curioso encontrar pequenas produções como estas, que não pretendem inovar, fugindo tanto do cinema comercial quanto do alternativo, e que o fazem com segurança e competência.