Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto

Malícia de roteirista

por Bruno Carmelo

Os roteiros de cinema poderiam ser divididos, de maneira geral, em dois grandes grupos. O primeiro deles cria um personagem, com seu passado, suas características e motivações, para depois imaginar quais seriam os conflitos que ele/ela naturalmente enfrentaria. Já o segundo grupo faz o caminho oposto: parte de uma ideia, para depois encontrar um personagem que se encaixe nela. Por exemplo, pode-se imaginar: “E se um homem pudesse voltar dez anos em sua vida, sabendo o que se passaria no futuro?” “E se este homem escrevesse a letra de Imagine, antes de John Lennon? Se criasse o programa Big Brother, antes de todo mundo?”. Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto pertence a esta segunda categoria, e faz justamente as perguntas acima.

Este tipo de história parece ser o sonho de qualquer roteirista, que se sente capaz de inventar as reviravoltas mais deliciosamente absurdas, mais mirabolantes. Mas estes roteiros não são pensados em termos de produção: haverá dinheiro para tudo isso? Como representar tantas artimanhas em imagens? Como conduzir a atenção do espectador? Esta obra argentina deve ter sido divertida de inventar, entre amigos provavelmente eufóricos e criativos, mas torna-se uma experiência angustiante de assistir. Isso porque, neste caso, as piadas são muito mais interessantes do que as imagens, e as artimanhas do roteiro não servem a nenhum discurso, nenhuma visão sobre o cinema, a sociedade ou o que quer que seja. As cenas, isoladas, esgotam-se em si mesmas.

Quanto à parte estética, percebe-se que a equipe tem um orçamento reduzidíssimo, digno de vídeo de churrasco de domingo. Grava-se com uma pequena câmera de vídeo caseira, a iluminação natural é precária, os efeitos de som são limitados, e os enquadramentos são os mais fechados possíveis, talvez para ajudar a direção de arte, que não teria condições materiais de preencher cenários inteiros. Produções de baixo orçamento podem usar suas limitações com criatividade, mas os responsáveis por Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto não encontram nenhuma solução visual para contornar a aparência amadora da produção.

Pelo contrário, a alternativa encontrada é fazer da imagem uma simples ilustração do texto. As primeiras cenas do filme mostram, respectivamente, cabras em cima de uma árvore, e depois um homem sendo atingido por um raio no deserto. Em si, as imagens nada têm de relevante ou belo, mas a narração diz que a aparente estranheza de se ver cabras em árvores representa os limites entre ficção e realidade, e que o homem sendo atingido por um raio ilustra o acaso, os erros das leis da física. Neste momento, as imagens ganham significados mais profundos. Mas até a voz explicar didaticamente as intenções dos autores, a parte visual não tinha nenhum interesse por si só.

O mesmo pode ser dito do filme inteiro. O narrador sarcástico faz várias piadas (a plateia gargalhava a cada palavrão), enquanto os pobres atores em cena não fazem nada mais do que ilustrar as palavras. O narrador diz: “Olha como ele tem cara de idiota” e lá vai o ator, no mesmo instante, fazer cara de idiota. Como já sugere o título curioso, Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto vale muito mais pelo texto do que pela realização. Imagino que esta ideia poderia dar origem a um inteligente conto literário, um sarcástico espetáculo de stand up comedy, e deve ter sido um roteiro ambicioso. Mas quando as palavras estavam definidas no papel, os diretores parecem ter pensado que tudo estava pronto, restava “só” filmar. Triste engano: o roteiro era apenas o ponto de partida. Faltava conceber um filme inteiro.