Jogo de falhas
por Bruno CarmeloDesde as primeiras cenas, o adolescente Daniel (Fernando Moreno) é visto como um garoto frágil. Ele foi abandonado em um lixão quando bebê, o que parece justificar a sua timidez e passividade. Ele tem o corpo magro demais, algo apresentado como um empecilho para concretizar o sonho de jogar futebol profissionalmente. Ele também é visto como fraco em sua virilidade, por ser virgem e evitar o contato das garotas que se insinuam para ele.
Seu irmão Júlio (Eliú Armas) é o oposto: forte, robusto, malandro, mulherengo. Apesar das diferenças, os dois se adoram, e estão unidos pelo futebol, paixão de ambos. O roteiro encaminha a vida da dupla para um destino ascendente: eles vão provar a todos que são ótimos juntos, sair da favela e se tornar grandes jogadores de futebol, ricos e realizados. Um verdadeiro “sonho americano” em plenos bairros pobres da Venezuela.
No entanto, o diretor e roteirista Marcel Rasquin conduz esta história clássica por caminhos tortuosos. Este é o primeiro longa-metragem do cineasta, e a insegurança se transmite na tela. As cenas alternam belas imagens com outras muito amadoras, combinando recursos e linguagens um tanto incompatíveis. Ora o diretor usa planos fixos e longos, ora passa a acelerar os planos em situações semelhantes. Em alguns momentos ele aproveita a agilidade da câmera no ombro, depois prefere os planos elaborados com gruas. Às vezes ele decide acompanhar os jogos de futebol inteiramente, e em outras cenas, utiliza a montagem paralela apenas para retardar o conflito principal, sem acrescentar tensão ou emoção.
Os quesitos técnicos são irregulares. A edição de som associa o futebol a trilhas sonoras rock altas, que se sobrepõem aos sons do próprio jogo. Em determinados momentos, os ruídos de fundo baixam assim que um personagem começa a falar, para que seu diálogo seja mais claro. Assim, o aspecto natural da fotografia contrasta com a artificialidade do som, criando um efeito incômodo. O elenco também é fraco, sobretudo Eliú Armas, incapaz de atribuir complexidade ao seu personagem em momentos emotivos.
De maneira geral, Hermano – Uma Fábula Sobre Futebol se destaca não apenas pelas proporções limitadas da produção, mas também por suas deficiências técnicas e narrativas. Nenhum aspecto individual (direção, som, montagem, roteiro, fotografia, atuação) é ruim demais, mas nenhum fica acima da média. Talvez o filme pudesse ser melhor se resolvesse com calma o seu roteiro, se desenvolvesse mais as atuações e as motivações dos personagens (por que Daniel esconde de Júlio informações tão importantes, durante tanto tempo?). O resultado visto nos cinemas lembra o primeiro corte de um longa-metragem em pós-produção, algo que poderia ultrapassar sua aparência novelesca com um pouco mais de cuidado na finalização.
Esta produção venezuelana deve ter chegado aos nossos cinemas apenas pelo oportunismo do tema e da época – certamente não é uma coincidência que o lançamento ocorra durante a Copa do Mundo, e que o subtítulo brasileiro sublinhe a presença do esporte na trama. Mas os fanáticos por futebol devem preferir acompanhar o show de bola nos gramados profissionais, longe desta pelada entre amadores, que tenta, mas nunca consegue passar a ideia de ser realmente disputada, tensa e de alto nível. Isso sem falar na abrupta e surpreendente cena final, que joga para o alto toda a moral construída até então. Se Hermano anunciava uma fábula de redenção pelo esporte, ele conclui sua exposição de maneira dúbia, agressiva, e muito mais sombria do que o tom otimista parecia insinuar.