Críticas AdoroCinema
5,0
Obra-prima
Django Livre

Um grande espetáculo

por Bruno Carmelo

Django Livre é um filme excessivo: existem tramas demais, personagens demais, reviravoltas demais; a duração é longa, o sangue jorra por todos os lados, as referências se multiplicam sem fim. Mais do que nunca, Quentin Tarantino está consciente do caráter épico desta história, do teor sensível do tema e de suas imensas habilidades na direção. Este novo filme é uma prova de que as ambições do diretor estão cada vez maiores – e de que ele ainda consegue corresponder às altas expectativas que constrói.

A primeira hora do filme é um verdadeiro show de Christoph Waltz. Através deste personagem, o meio dentista, meio caçador de recompensas King Schultz, a história estabelece seu contexto. Aprendemos que estamos em um faroeste, pouco antes da Guerra Civil, no sul dos Estados Unidos. É um grande prazer assistir a Waltz atuando mais uma vez no papel de um homem inteligente e sarcástico, algo que ele domina perfeitamente bem (depois de Bastardos Inglórios e Deus da Carnificina). A paródia que ele faz das tradicionais cenas do saloon, e das cenas de duelos com armas nas ruas da cidade, é hilária.

Também é o personagem de Waltz que nos apresenta a Django, um escravo tímido, mas cheio de traumas passados. Como sempre no cinema de Tarantino, o grande tema de Django Livre é a vingança, e Jamie Foxx elabora minuciosamente o desenvolvimento do seu personagem, que evolui de um homem submisso a um grande, revolucionário e carniceiro herói em 2h45. Desde a primeira cena, em que Schultz libera Django, Tarantino mostra seu grande talento para a utilização dos espaços, para o uso expressivo da luz e para as imagens de efeito. Poucos diretores conseguem assimilar o pop e os diferentes gêneros do cinema como ele, gerando uma obra pessoal e única.

Se Bastardos Inglórios apresentava uma revisão fictícia da Segunda Guerra Mundial, Django Livre decide cutucar as feridas vivas da própria memória americana. Talvez por isso o filme tenha sido tão polêmico em seu país natal, despertando críticas de todos os lados. Mas o roteiro se defende muito bem: contra todos que rejeitaram o "divertido espetáculo da violência", a história converge em direção ao horror, e deixa claro que seu sangue e suas mortes não são nada realistas; contra aqueles que disseram que era absurdo um negro só se emancipar com a ajuda dos brancos, a trama reserva a Django mais de uma hora de narrativa para viver sem a ajuda de ninguém; contra todos que disseram que o retrato histórico é inexato, o filme ressalta o tempo inteiro seu caráter fantástico e fictício.

Este filme é um deleite visual, com fotografia, cenário e atuações impecáveis (Samuel L. Jackson e Leonardo DiCaprio apresentam um lado que nunca tinham mostrado antes no cinema). Ele reflete sobre o passado - com o tema da escravidão e o gênero fora de moda do faroeste -, mas consegue levá-lo ao presente; ele consegue ser ao mesmo tempo crítico, reflexivo, engraçado, perverso. O próprio momento em que Django é obrigado a atuar no papel de um homem racista, explorando os negros, é de uma força única. Tarantino tem em mãos um dos melhores roteiros que já escreveu, uma amostra de que o cinema de qualidade pode unir o público e a crítica, sendo tão moderno quanto clássico. Django Livre é, assim, um espetáculo imenso, um show de imagens e sons, uma aula de cinema, e um filme completo.