Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Fúria em Alto Mar

À deriva

por João Vítor Figueira

A maré de Gerard Butler não está boa e Fúria em Alto Mar é mais uma produção esquecível do ator de 300, que parece obstinado em rivalizar com o currículo de filmes ruins de Nicolas Cage. Depois de uma série de atuações em longas-metragens genéricos de todos os gêneros — como o drama Um Homem de Família, a ação Invasão a Londres e a fantasia Deuses do Egito — o escocês agora estrela um thriller militar de ação que é vacilante no suspense e traz comentários políticos inconsistentes.

Com a direção pouco inspirada de Donovan Marsh, o longa-metragem conta com Butler no papel do Capitão Joe Glass. A primeira aparição do personagem tenta resumir sua essência. O militar está de folga em uma remota montanha enevoada caçando cervos com arco e flecha até que hesita e opta por não abater um alce que estava na sua mira. A ideia é que o protagonista represente um estereótipo de masculinidade viril (o que Butler encarnou em 300), mas dessa vez dotado de emoções e compaixão. De forma metalinguística, é como se o próprio Butler desse um indicativo de que sua atuação teria menos do hiperbolismo nonsense de outros trabalhos — o que se confirma ao longo da projeção e é ótimo.

Experiente, Glass é convocado por uma alta cúpula militar dos Estados Unidos para liderar uma jovem equipe em uma missão à bordo de um submarino americano nas águas do gélido Mar de Barents. O objetivo é investigar o paradeiro de outro submarino americano que desapareceu enquanto rastreava a suspeita movimentação de um submarino russo em um território marítimo nunca antes explorado por tropas estadunidenses. Na coordenação da campanha, direto do Pentágono, estão um irascível e unitonal Gary Oldman no papel do Almirante Charles Donnegan, um ponderado e pouco exigido Common como o Contra-Almirante John Fisk e uma desperdiçada Linda Cardellini como uma analista da NSA que tem raras falas e a maior parte delas traz a atriz reforçando suas credenciais como agente da NSA.

Apesar da bem vinda contida atuação de Butler, Glass não é um personagem principal minimamente interessante e com isso a falta de profundidade dos coadjuvantes se torna um problema ainda mais latente. O roteiro de Jamie Moss e Arne Schmidt, baseado no romance Firing Point, não faz o necessário para tornar a trama contundente no contexto de 2018. Por mais que o texto mereça méritos por driblar alguns lugares-comuns das relações internacionais entre EUA e Rússia em um mundo pós-Guerra Fria, o retrato dos bastidores da política é exageradamente caricatural, com o abuso de frases de efeito e atuações truncadas pela sisudez. É interessante que Glass opte por chamar a responsabilidade para si e colabore com um capitão russo (interpretado pelo falecido Michael Nyqvist) que ele resgata no fundo do mar, mas a benevolência americana é um disfarce para mais um filme que exalta uma política externa agressiva. Quando o foco da história muda para quatro U.S. Navy SEALs — um desbalanço desnecessário na trama — que chegam ao território russo para proteger o presidente do país de um golpe de Estado, o filme mostra que é mais uma produção que visa legitimar o papel dos Estados Unidos enquanto "polícia do mundo".

Embora o roteiro tenha o direito de criar seu universo próprio para os eventos de Fúria em Alto Mar, causa estranheza que, no contexto de 2018, nas eras Trump e Putin, os chefes de Estado de Rússia e Estados Unidos sejam, mesmo na ficção, figuras opostas às que ocupam o cargo na vida real. Nos EUA, a presidência é ocupada por uma mulher de pulso hesitante e na Rússia o presidente é uma figura anti-autoritária que preza pela democracia e lisura das instituições.

Cabe mencionar que no que se refere ao retrato do cotidiano do submarino comandado por Glass, Fúria em Alto Mar apresenta um cenário eficiente e realista, justificado pela colaboração entre a produção do filme e a Marinha dos Estados Unidos. Há uma atmosfera claustrofóbica e a câmera Marsh é capaz de dar conta do cotidiano daqueles homens e mulheres que atuam naquele que é um dos mais peculiares aparatos militares.

Algumas das cenas de combate e manobras submarinas até são filmadas de maneira eficiente, mas o excesso de deus ex machina impede que qualquer tensão se sustente. Os sucessivos êxitos improváveis fazem com que não pareça em momento algum que os marinheiros estão de fato correndo algum risco. A figura de Glass confia tanto na intuição que o filme o pinta como um predestinado à glória de maneira piegas.

Fúria em Alto Mar não precisava reinventar a roda ou superar clássicos do subgênero de ação como Caçada ao Outubro Vermelho, mas um pouco mais de ambição, coerência e originalidade teriam impedido o filme de afundar.