Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Happy, Happy

Sob a superfície

por Francisco Russo

É curioso notar como certos países possuem filmografias com características bem particulares. O cinema americano, por exemplo, costuma ter um olhar mais voltado para o lado capitalista na produção de filmes, enquanto que o brasileiro volta e meia traz uma pitada de cunho social. O francês é mais verborrágico, o espanhol mais picante e por aí vai. É claro que nem todos os filmes seguem este caminho, mas existe uma aura referente à população local que, de uma forma ou de outra, reflete também no cinema. No caso dos países escandinavos, o que mais chama a atenção é como o frio dominante do ambiente afeta também os relacionamentos humanos, muitas vezes escondendo debaixo do tapete questões bastante sérias. Happy, Happy, representante norueguês, é um destes casos.

A trama acompanha dois casais, Kaja/Eirik e Elisabeth/Sigve, cujas vidas se entrelaçam a partir de relacionamentos extra-conjugais. Em cada um deles há uma profunda melancolia no modo de ser, refletida na insatisfação com a vida que leva. O caso mais explícito é o de Kaja, uma mulher solitária que fica eufórica com a chegada do casal forasteiro. Não propriamente por já prever algum tipo de caso, mas por não ter com quem dividir as coisas simples da vida, já que o marido pouco lhe dá atenção e ainda se recusa a ter relações sexuais há um ano. Tamanho desespero interior se materializa na dolorosa cena em que o quarteto disputa uma partida, que resulta justamente no início da montanha-russa de emoções entre eles.

Além de revolver aflições até então ocultas, mas loucas para vir à tona, Happy Happy ainda traz uma subtrama que denuncia o preconceito intrínseco em relação aos negros. Por mais que as cenas de abusos referentes à escravidão sejam atenuadas pelo fato de serem estreladas por crianças, a aparente normalidade choca. Por outro lado, este momento denúncia acaba sendo mal resolvido dentro do filme como um todo, com direito a uma participação até compreensível, mas ainda assim estranha, de Barack Obama.

Em meio a tantas descobertas e reviravoltas em diálogos muitas vezes secos e rancorosos, o brilho maior fica por conta da narrativa encontrada pela diretora Anne Sewitsky. Entremeado por canções alegres, o longa-metragem ganha um tom agridoce que ameniza bastante os temas pesados do roteiro. Além disto, a interpretação radiante de Agnes Kittelsen, intérprete de Kaja, conquista a simpatia do espectador especialmente quando o mundo começa a enfim ficar mais colorido para ela. A canção “Over the rainbow”, de O Mágico de Oz, serve de passagem de bastão da vida triste ao sonho momentâneo.

Happy Happy poderia facilmente ser um baita dramalhão, mas, graças à sua estrutura, torna-se um filme agradável e envolvente, sem jamais perder o tom incisivo da história. Um filme bastante interessante, principalmente pela engenhosidade da narrativa e sobre o que revela sob uma superfície de aparente normalidade.