Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Se Fazendo de Morto

Comédia de mistério

por Francisco Russo

Os filmes noir possuem características bem específicas que muito facilitam a identificação: o clima sombrio, o ambiente cínico, a mulher fatal, uma trama policial ou de mistério. Grandes clássicos do cinema foram produzidos seguindo à risca tais regras, como Relíquia Macabra e Pacto de Sangue, mas volta e meia algum cineasta arrisca uma variação no gênero de forma a adicionar elementos novos sem deixar totalmente de lado o formato clássico. É o caso de Jean-Paul Salomé, diretor da comédia noir Se Fazendo de Morto. É exatamente isto que você leu: uma comédia noir.

Do noir clássico, Se Fazendo de Morto traz o ar de mistério envolvendo não apenas a história, mas também o local bucólico onde acontece. A ideia base é bem espirituosa: um ator que não consegue emprego tendo que aceitar a tarefa de se fazer de morto durante uma investigação policial. O sarcasmo maior vem do fato de que ele ganhou o César de melhor revelação 20 anos atrás e, devido ao ego inflado e escolhas equivocadas, fracassou na carreira – uma cutucada de leve na indústria cinematográfica, no caso, a francesa. A escolha de François Damiens como protagonista, bom ator que nada tem de bonito, ressalta ainda mais o ar ordinário do personagem. É o típico derrotado que tenta sobreviver ao mesmo tempo em que precisa lidar com o orgulho ferido pelo próprio fracasso.

Diante deste panorama, a chance de mais uma vez sentir-se valorizado surge quando, em meio ao trabalho, Jean Renault (Damiens) resolve “melhorar a cena do crime”. Para tanto usa sua vasta imaginação (e bagagem adquirida graças ao trabalho como ator) para dar pitacos sobre como o assassinato teria acontecido. A investigação pessoal aos poucos conta com a participação de uma juíza que também cuida do caso, que segue o batido clichê dos opostos que se atraem.

Por mais que traga alguns exageros na história, especialmente quando ela está perto do desfecho e o roteiro passa a buscar possíveis culpados em tudo quanto é canto, Se Fazendo de Morto é um filme que merece atenção. Seja por manipular o noir de forma a adequá-lo à proposta cômica (a iluminação é a mudança mais explícita, pela necessidade de “clarear” o cenário para manter um tom mais leve) ou até mesmo por ver Damiens em um de seus raros papéis como protagonista. É na verdade uma grande brincadeira com o gênero policial, aproveitando seus clichês para construir uma história leve e com direito a citações cinematográficas.