Infinito enquanto dure
por Lucas Salgado"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida", diz os versos de Vinícius de Moraes em Samba da Bênção. Vinícius, que também atuou como crítico de cinema no início de carreira, provavelmente aprovaria Amor Profundo, um filme que trata do tipo de amor tão tratado por ele em suas canções, aquele amor tão grande que machuca. O filme é justamente sobre os encontros que a vida proporciona.
Adotando uma narrativa e um visual nada convencional, Amor Profundo surge quase como uma experiência sensorial, mas com muita emoção. Com uma fotografia granulada, que aumenta o incômodo do espectador, o longa começa com uma tentativa de suicídio, que é dramática e intensa, sem em momento algum cair no melodrama. A partir daí, nos deparamos com uma sucessão de belas imagens e sequências românticas, quase todas sem diálogos e ao som de uma trilha clássica, que dita os sentimentos vistos em cena.
O espectador recebe as informações quase que como uma pessoa que ganha aos poucos peças de quebra-cabeças. Isso do ponto de vista da sequência da história, mas também, e principalmente, do ponto de vista da realidade sentimental da protagonista vivida pela ótima Rachel Weisz, indicada ao Globo de Ouro pelo papel.
Weisz vive Hester Collyer, uma jovem casada com um importante juiz (Simon Russell Beale). Ela não é infeliz no casamento, mas ao mesmo tempo se vê em meio a uma relação mais afetuosa do que apaixonada. É quando conhece Freddie (Tom Hiddleston) e começa uma relação extraconjugal. Esta é a trama básica do filme, mas não espere receber essas informações de forma tão resumida. Tudo acontece de forma não linear, em que as peças vão sendo montadas e o espectador vai sendo envolvido passo a passo.
Para quem conhece Hiddleston apenas como o Loki de Thor e Os Vingadores - The Avengers, o longa tem tudo para ser uma grande surpresa. O ator entrega uma atuação forte e difícil de ser compreendida. O romance entre Hester e Freddie é o ponto forte da produção, que não é bem explicado pelo genérico título Amor Profundo. O título original The Deep Blue Sea pode ser literalmente traduzido como O Profundo Mar Azul, mas é mais que isso. No inglês, a palavra "blue" é mais do que o nosso "azul", também é usado para determinar um sentimento de tristeza, de depressão. E, no filme, é justamente esta tristeza que atinge a relação dos protagonistas.
Dirigido por Terence Davies a partir de peço homônima do dramaturgo inglês Terence Rattigan, o filme é bastante complexo na exposição de seus sentimentos. Em 99% das produções hollywoodianas temos noções básicas de amor. Ou você ama ou você não ama determinada pessoa. E a vida não é tão preta e branca. Duas pessoas podem se amar, mas ainda assim uma amar mais a outra ao ponto de abalar a relação. E outra pessoa deixada para trás pode também amar tanto aquele que a abandonou que aceita "se humiliar" e continuar perseguindo a reconstrução daquele amor. Tudo isso é tratado pela obra cinematográfica, que tem como mérito principal a fotografia de Florian Hoffmeister e a trilha de Samuel Barber.
A montagem de David Charap também merece aplausos ao lado da direção de Davies. Eles foram os principais responsáveis por tornar a não linearidade do filme em algo ainda assim acessível ao espectador. Voltando à Vinícius de Moraes, é difícil não lembrar de outro famoso verso seu: "Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure."