Viagem sem volta
por Lucas SalgadoCom apenas 44 anos, Paul Thomas Anderson conseguiu construir uma carreira extraordinária em Hollywood, se tornando um dos nomes mais cultuados da indústria. Começou a chamar a atenção com Boogie Nights - Prazer Sem Limites e depois tivemos Magnólia, Sangue Negro e O Mestre. Todos filmes fantásticos, que comunicam entre si, mas que também representam uma evolução de um estilo cinematográfico. Com tomadas cada vez mais matematicamente pensadas, PTA também vem aumentando o grau de exigência de seus filmes. Isso tem um lado ruim, com suas obras se comunicando com cada vez menos pessoas, mas também tem seu lado bom, com um grande nome de Hollywood dedicando seu tempo para produzir longas instigantes, envolventes e provocadores.
Vício Inerente representa uma volta do diretor ao universo do humor, que está muito presente em Boogie Nights e Embriagado de Amor, mas que foi totalmente abandonado em Sangue Negro e O Mestre. Isso não significa, todavia, que estamos diante de uma obra menos hermética.
Baseado em livro homônimo de Thomas Pynchon, o filme conta a história de Larry “Doc” Sportello (Joaquin Phoenix), um detetive particular que investiga o desaparecimento de sua ex-namorada, Shasta (Katherine Waterston), e do amante milionário dela, Michael Z. Wolfmann (Eric Roberts). Tudo isso em meio a Los Angeles dos anos 70, tomada por drogas e pelo medo de seitas como a de Charles Manson.
Em sua jornada, Doc contará com a “ajuda” da atual namorada (Reese Witherspoon), do policial/ator Pé Grande (Josh Brolin), do amigo doidão que trabalha infiltrado para o FBI (Owen Wilson) e por aí vai. Doc é um sujeito inteligente, esperto e dedicado aos amigos, mas que está sempre sob influência de drogas e álcool.
Poucas vezes nas telonas um filme refletiu tão bem a personalidade de seu personagem principal. Vício Inerente é Doc. O longa é instável, louco e bizarro como o sujeito, mas também é inteligente e charmoso. Tudo parece tão aleatório, desconexo e colorido que, em alguns momentos, a sensação é que estamos no meio de uma viagem de ácido, que lembra um pouco a experiência com O Grande Lebowski, dos irmãos Coen. Mas, aos poucos, as peças do quebra-cabeça passam a se encaixar e o espectador se verá completamente dentro da jornada de Doc.
Como de costume na filmografia do diretor, Inherent Vice (no original) conta com um elenco fabuloso. Benicio Del Toro, Jena Malone, Maya Rudolph e Michael K. Williams possuem participações breves, mas impactantes. Também merece destaque a louca presença de Martin Short. O lendário comediante surge em cena como um dentista viciado em cocaína e sexo.
Do elenco principal, o destaque é Joaquin Phoenix, que continua a ser um dos atores mais intensos dos Estados Unidos. A principal surpresa é a grande atuação de Katherine Waterston, que surge quase como uma revelação aos 35 anos. Ela fez participações em Conduta de Risco, Aconteceu em Woodstock e na série Boardwalk Empire, mas jamais havia se destacado tanto como aqui. Ela oferece uma performance incrivelmente sexy. Brolin também carrega na intensidade de seu personagem, oferecendo cenas surtadas e bem legais. Já Owen Wilson não compromete, embora sua participação possa ser resumida a “Owen Wilson nos anos 70”.
Tudo é muito louco. Mas também muito bonito. A fotografia de Robert Elswit é fabulosa, investindo em cores fortes e em tomadas fixas, utilizando-se muitas vezes de closes. Uma opção muito diferente da que o próprio diretor de fotografia utilizou em Boogie Nights, que traz a câmera sempre em movimento. A trilha instrumental de Jonny Greenwood é excelente, mas também é impossível não destacar a seleção musical, que conta com nomes como Sam Cooke, Neil Young, Chuck Jackson e muito mais.
Não é um filme fácil, mas quem for de mente aberta e disposto a embarcar nesta viagem tem tudo para aproveitar a experiência. Paul Thomas Anderson está cada vez mais distante do cinemão hollywoodiano, o que é ótimo.