Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Terceira Pessoa

Eu te amo, eu também não

por Bruno Carmelo

Já faz algum tempo que o cinema independente americano atravessou a fase das histórias entrecruzadas: 21 Gramas, Babel (de Alejandro González Iñárritu), Traffic (de Steven Soderbergh) e Crash - No Limite (de Paul Haggis) foram alguns exemplos de filmes que seduziram críticos e premiações pela estrutura entrelaçada, com histórias pessoais afetando umas as outras.

Diferentemente dos filmes corais de Robert Altman e Paul Thomas Anderson, focados nas consequências naturais das relações humanas, essas novas histórias se dedicam a confrontar os personagens de maneira abrupta, artificial e trágica – através de acidentes, principalmente. Pelo acúmulo, esse tipo de cinema atingiu rapidamente a saturação, mas Paul Haggis não abandonou a ferramenta e voltou a conectar três histórias banais. Desta vez, nada de temas controversos como o racismo (Crash), as drogas (Traffic) ou a morte (21 Gramas): o roteirista e diretor decidiu falar sobre os percalços do amor.

O amor, no caso, deve ser compreendido no sentido amplo: o escritor veterano Michael (Liam Neeson) ama a ex-esposa Elaine (Kim Basinger), mas também ama a jovem problemática Anna (Olivia Wilde). O empresário Scott (Adrien Brody) ama a filha pequena, e se apaixona pela explosiva cigana Monica (Moran Atias). Julia (Mila Kunis) ama o filho pequeno, mas perde a guarda do garoto após um acidente. Agora, o pai da criança, Rick (James Franco), tem a responsabilidade pelo filho do casal, e ele mesmo está apaixonado por uma nova mulher.

Cada uma das três histórias possui um único conflito. A estrutura se assemelha a de um curta-metragem, mas Haggis estica as tramas, repetindo ações e construindo momentos que pouco acrescentam ao conjunto. A longuíssima cena do bar Americano, as dezenas de idas e vindas entre Michael e Anna no hotel, os diversos instantes de Julia correndo em corredores servem para fazer a história continuar, mas não necessariamente se desenvolver. Com cenários de cartão postal (Paris e Roma), Terceira Pessoa lembra os leves episódios do projeto “Cidades do Amor”, como Rio Eu Te Amo, Paris Te Amo etc., expandidos até a cansativa duração de 2h17.

Como os conflitos se desenvolvem pouco, os personagens limitam-se às chantagens, as mudanças de humor: Michael e Anna se amam, depois se detestam, depois amam, depois se desprezam. Monica rejeita Scott umas dez vezes, mas o homem sempre retorna na cena seguinte, como um cão fiel. Rick encoraja Julia a lutar pela guarda da criança, depois diz que jamais lhe entregará o filho, e na cena seguinte autoriza a ex-esposa a ver o garoto. Como na canção francesa de Serge Gainsbourg, os personagens dizem “Eu te amo / Eu também não”, mentindo, manipulando, mudando de ideia a cada quinze segundos.

Esse material poderia servir para um melodrama açucarado, mas Haggis retira de Terceira Pessoa as emoções e a fragilidade dos personagens. Todos são agressivos, comunicando-se com frases cortantes e ameaças. Olivia Wilde, Liam Neeson e Adrien Brody se esforçam para conferir humanismo às falas, mas é difícil proferir os diálogos pedantes sem tornar os personagens desagradáveis. Para piorar, surgem nos 15 minutos finais uma porção de revelações e segredos, uns mais absurdos que os outros. Haggis força as histórias para além do bom senso, encontrando uma ligação trágica entre os personagens.

Apesar dos inúmeros revezes do filme, a produção é bastante competente, conferindo ao produto final um aspecto de refinamento que deve conquistar espaço nas salas de arte. O grande elenco também deve seduzir o público - Kim Basinger se sobressai em uma pequena cena, e é sempre bom ver Liam Neeson em um papel menos truculento. Visualmente, nada a declarar: a cartilha do diretor é formada por planos e contra-planos, enquadramentos funcionais e uso convencional de trilha sonora. Mesmo assim, por sua estrutura histriônica, Terceira Pessoa torna-se menos um drama de personagens do que um truque complicado e improvável de um mágico muito contente com a própria astúcia.