Ame quem você quiser
por Bruno CarmeloBem Amadas corresponde a um modelo velho de cinema, e isso não apenas pela época em que parte da trama se passa. O filme é um raro musical que evita o espetáculo, preferindo os moldes utilizados antigamente pelo cinema francês, quando os números musicais não eram entretenimento, mas comentários agridoces da trama. Nada de performances, nada de demonstrações excepcionais de dança ou canto. As pessoas em tela parecem seres normais, com vozes comuns e trejeitos quaisquer.
Neste sentido, o título brasileiro é muito curioso, ao abandonar o masculino plural ("bem amados" no original) que engloba tanto homens quanto mulheres. A versão brasileira prefere reservar o amor apenas às mulheres, talvez por uma espécie de proto-feminismo ingênuo, ou por querer diferenciar a produção da famosa novela e do filme O Bem Amado. Também é possível que este seja um dos inúmeros casos em que o título nacional é escolhido sem que os responsáveis sequer assistam ao filme, o que pode corresponder a uma leitura apressada da sinopse ou a um erro grosseiro de tradução.
De qualquer modo, o filme fala de homens e mulheres que amam, intensamente, de maneiras tortas, pouco românticas e nada heroicas. Uma mulher ama o marido que sempre a traiu, outra é apaixonada por um músico gay e quer ter um filho com ele, enquanto outro concede que a esposa tenha relações sexuais esporádicas com o ex-marido. O roteiro do francês Christophe Honoré, acostumado ao tema da plurissexualidade, concede a todos a oportunidade de serem felizes como quiserem, sem julgamentos. Em Bem Amadas, todas as formas de amor são válidas, e as convenções sociais parecem suspensas.
Assim, não existe política, religião nem qualquer forma de militância: prega-se apenas uma fluidez e naturalidade do amor, intimamente ligadas ao prazer sexual. A estrutura transita entre os personagens na duração de uma música, fazendo com que se cruzem e cantem juntos o mesmo refrão. As canções ora adotam um tom melancólico e melódico, ora aproveitam o ambiente pop rock, fazendo do filme um produto bastante contemporâneo. Honoré consegue dar a este gênero antigo uma roupagem de nossos dias.
Para isso, ele utiliza sem pudores todas as formas de artificialidade. Este é um conto, ou uma fábula (de moral libertária, no caso). Os sapatos lúdicos da cena inicial cedem espaço a cantorias nas escadarias da cidade, onde os protagonistas são iluminados por focos direcionais de luz, vindos de um ponto desconhecido, fora de quadro. Como nos contos, o realismo é abandonado em detrimento da exemplaridade, da ilusão. Catherine Deneuve, Chiara Mastroianni, Ludivine Sagnier e Milos Forman interpretam com invejável desenvoltura um leque de pessoas possíveis, que não representam casos particulares. A universalidade de Bem Amadas é um dos pontos capazes de criar empatia e despertar a identificação do espectador.
Bem Amadas talvez seja longo (são 2h20 de duração), mas este desenvolvimento aparece como forma de respeito aos personagens, que ganham todos, sem exceção, um aprofundamento, uma complexidade, um amor único. O filme é leve, menos abrupto do que os musicais modernos como Chicago e, portanto, menos restrito aos fãs do gênero. Honoré e seu grande elenco compõem um doce hino aos amores, como uma defesa apaixonada das inconstâncias e incoerências do coração.