O trash elegante
por Bruno CarmeloImagem 1: formas intergalácticas se cruzam no espaço, de maneira abstrata, uma preenchendo a outra. Imagem 2: Scarlett Johansson nua sobre um fundo branco. Imagem 3: Scarlett Johansson nua sobre um fundo preto. Imagem 4: Homens nus, em ereção, perseguindo Scarlett Johansson nua, e se afogando em um pântano assassino. Imagem 5: Peles humanas explodindo e boiando no pântano.
Todas essas imagens estão presentes em Sob a Pele – talvez não nesta ordem. Pelas regras do gênero, esta é uma ficção científica (afinal, temos alienígenas e pântanos assustadores em cena), mas não estamos no espaço, lutando com seres malignos. A história se passa na Escócia, nos dias de hoje, com pessoas comuns em cenas cotidianas – exceto pela presença do alien sem nome (Scarlett Johansson), que passa o filme inteiro seduzindo homens e matando-os da forma bizarra descrita no parágrafo anterior.
O diretor Jonathan Glazer, responsável por outras tramas inusitadas como a de Reencarnação (2004), tem um gosto pela estranheza artística, autoral. Assim, nada de gosmas e sangue jorrando, ou mortes espetaculares, apenas uma sequência de imagens cuidadosamente enquadradas, meticulosamente iluminadas e filmadas. Esta é uma rara ficção científica elegante, pomposa, combinando o cinema de autor dos grandes festivais – foi selecionado em Veneza e Londres – com um mote típico das produções trash, por combinar alienígenas com o erotismo explícito e assumidamente gratuito.
Se existe uma narrativa coerente por trás deste desfile de imagens, ela se encontra no processo de humanização da alienígena, destinada a matar os homens, mas conquistando pouco a pouco alguns sentimentos. Com a forma humana adotada pelo monstro, ela começa a ganhar também um coração humano. Por mais patética que soe a premissa, o diretor a conduz com grande seriedade, de maneira lacônica, enquanto Johansson se esforça para não fazer da protagonista um robô matador, e sim um ser estranho ao local, mais próximo da figura do estrangeiro.
Palmas para o diretor pela construção de clima, e palmas à atriz por ter aceitado um projeto tão arriscado, enquanto poderia estar ganhando rios de dinheiro com outras megaproduções. Mas para quem esperar por respostas simples como “De onde ela vem?”, “Por que só mata homens jovens?”, “Por que sempre atrai suas presas pela sedução e pela promessa de sexo?”, “Por que o alienígena que vigia o seu trabalho também não participa da matança?”, “O que os alienígenas ganham com a matança de humanos?”, o filme não trará nenhuma resposta.
Destaca-se uma representação estranha, e um tanto incômoda, sobre os gêneros. Quando adquire a pele de uma humana sedutora, mas ainda sem sentimentos, a protagonista torna-se onipotente, podendo ter o homem que quer, quando quer. Mesmo eventuais vândalos são evitados facilmente. Mas quando desenvolve sentimentos humanos, este ser sucumbe a uma posição passiva, transformando-se em submissa nas cenas românticas, e vítima conformada durante o possível estupro. Toda a força da personagem é perdida a partir do momento em que ela se transforma em humana, e mais especificamente, em uma humana do sexo feminino.
Mas qualquer interpretação sobre este filme parece uma mera especulação. As imagens e a trama são tão abertas, tão próximas do aleatório, que praticamente toda a leitura é permitida. Este projeto voluntariamente estranho merece ser visto pela experiência singular que representa, mas infelizmente deve fracassar no circuito comercial, por ser atípico demais, e também no circuito de arte, pela temática trash. Sob a Pele é um filme feito para nicho nenhum, uma obra desabusada, e nesse aspecto encontra a sua força e a sua limitação. Fica a sensação de que Sob a Pele possa ser uma obra-prima, ou talvez a pior bobagem do ano. Mas nada entre os dois.