Fina Nata
por Francisco RussoNos últimos anos, o documentário brasileiro encontrou na música um nicho onde tem conseguido obter um maior destaque junto ao público. A proposta é simples: acompanhar um evento ou pessoa e apresentar sua trajetória, tudo embalado por canções. Se por um lado a música serve como atrativo, devido ao lado afetivo muitas vezes envolvido, é também uma forma de revisitar histórias do passado, algumas obscuras. Foi o que aconteceu com Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei, por exemplo. É o que também acontece em Uma Noite em 67.
Não que no documentário da dupla Renato Terra e Ricardo Calil haja algum segredo a ser desvendado. Afinal de contas, o desfecho do III Festival de Música da Record é público e notório. O lado revisionista é que surge com força, através de imagens de época que são verdadeiras pérolas. Seja nos divertidos comentários de bastidores, onde se percebe a agitação e o nervosismo presentes, ou nas próprias apresentações de cada canção. O material de arquivo é o grande trunfo do filme, permitindo ainda a percepção de características que hoje são requintes de uma época distante.
Um deles é o significado do público diante de tudo o que ocorria. Não apenas sua presença física, vaiando ou aplaudindo, mas o simbolismo por trás daquela manifestação popular em um período onde a repressão vigorava no país. As letras das canções são outro exemplo, muitas vezes com mensagens esquerdistas ou de contestação. O clima político vigente estava também ali no ar, mesmo não sendo o festival um evento político. Um dos méritos do filme é possibilitar esta captação do ambiente, às vezes apresentado através de feitos como a passeata contra as guitarras elétricas e, em outros momentos, pela simples reação das pessoas.
Além do mais, Uma Noite em 67 conta com um trunfo fortíssimo que é sua seleção musical. Não é qualquer dia que um time do naipe de Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Os Mutantes, Roberto Carlos e Edu Lobo se apresenta junto. Ainda mais com canções que se tornaram ícones, como "Roda Vida", "Alegria Alegria" ou "Domingo no Parque". É a fina nata da MPB ali se apresentando, em uma época em que todos ainda buscavam seu espaço. O que provoca um interesse extra, em acompanhar o comportamento dos ídolos de hoje quando ainda não estavam estabelecidos, sem a segurança que o sucesso e a consagração automaticamente trazem.
Seguindo um formato tradicional e explorando bastante o acervo histórico, com cenas de época entremeadas pelos indispensáveis depoimentos de quem viveu aquele momento in loco, Uma Noite em 67 é, ao mesmo tempo, uma homenagem a uma época perdida e uma chance de apreciá-la. Só pela trilha sonora e pelas apresentações ao vivo já vale a pena assistir.