Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Álbum de Família

Intensidade em família

por Lucas Salgado

É difícil saber o que impressiona mais em Álbum de Família: o texto escrito por Tracy Letts, que também é responsável pela peça que deu origem ao projeto, ou o grande elenco, que conta com nomes como Meryl StreepJulia RobertsEwan McGregor, só para início de conversa.

O roteiro é incrível e o fato de ser uma adaptação dos palcos é ainda mais impressionante, uma vez que Letts conseguiu evitar o tom teatral. Temos momentos exagerados e quase monólogos. Ainda assim, tudo funciona naturalmente como cinema de ótima qualidade.

Já o elenco é dos melhores vistos em tela nos últimos tempos. Não só pela presença de grandes nomes, mas também pela incrível participação de atores menos badalados, como Julianne NicholsonMargo MartindaleMisty Upham.

Após o desaparecimento do marido Beverly (Sam Shepard), Violet (Streep) conta com o apoio das filhas (Roberts, Nicholson e Juliette Lewis), da irmã (Martindale) e do cunhado (Chris Cooper). Viciada em medicamentos e com um câncer na boca, a matriarca está longe de ser a mais agradável das pessoas, atacando constantemente as filhas, em especial Barbara, vivida por Roberts. A filha se mudou da cidade há vários anos e passou um bom tempo sem visitar os pais. Agora, ela volta para casa na companhia do ex-marido (McGregor) e da filha (Abigail Breslin).

Conhecido pelo trabalho na série ERJohn Wells é o responsável pela direção deste drama. Sim, drama. A indicação ao Globo de Ouro de Melhor Filme - Comédia/Musical retrata apenas o lado disfuncional de tal premiação e não o gênero da produção. O longa possui senso de humor e proporciona algumas boas risadas ao longo de seus intensos 130 minutos, mas jamais poderia ser considerado uma comédia. A trama envolve alcoolismo, suicídio, câncer, dependência química, adultério, pedofilia, divórcio e incesto. Tudo muito engraçado, não é mesmo?

Meryl Streep é o grande nome do elenco, sendo difícil não imaginar sua 18ª indicação ao Oscar. Já em sua primeira cena, ela surge despenteada e desequilibrada, abusando de cigarros e remédios. Tudo muito chocante, mas também impressionante. Além da maquiagem impecável, há de se destacar o excepcional trabalho de figurino. É curioso notar como Violet e Barbara usam roupas bem largas, que podem passar a sensação de conforto, mas que também transmitem um certo descaso. O contrário acontece com a superficial Karen (Juliette Lewis), que liga muito para aparências, o que é visto até mesmo na escolha de seu noivo Steve (Dermot Mulroney).

Não bastasse o excelente elenco, August: Osage County (no original) também escalou o calor como um dos protagonistas da trama. O calor incomoda os personagens durante todo o longa, reforçando o fato de que nem as pessoas que moram ou nasceram ali estão realmente confortáveis em tal lugar.

Especialista em trilhas que passam a sensação de isolamento, Gustavo Santaolalla (Diários de MotocicletaO Segredo de Brokeback Mountain) faz mais um belo trabalho, embora em alguns momentos a trilha pareça um pouco excessiva. A edição, por sua vez, corre fluentemente e evita que a narrativa fique muito melodramática.

Embora Streep seja o grande nome do elenco, é impossível não destacar o incrível trabalho de Julia Roberts. A atriz fez seu trabalho mais impressionante desde Closer - Perto Demais, superando inclusive a premiada atuação em Erin Brokovich - Uma Mulher de Talento. Também fazia tempo que a atriz não aparecia tão bonita em cena. Com uma beleza extremamente natural, Roberts consegue chamar a atenção até mesmo nas cenas mais dramáticas.

Enquanto Ewan McGregor entrega uma performance boa, mas longe de brilhante, o onipresente Benedict Cumberbatch surge rapidamente como o atrapalhado primo Charles, que é diminuído até mesmo pelo apelido ("Little Charles"). O personagem não tem grande participação, mas brilha sempre que aparece, com destaque até para uma curta sequência musical.

Belo, triste, exagerado... Álbum de Família traz um núcleo familiar pra lá de disfuncional, mas que atrai o espectador por ser sempre levado à sério pelo roteiro e, principalmente, pelos atores. Trata-se de um raro caso em que a verossimilhança abraça o absurdo e só isso já vale o ingresso.