Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
R.I.P.D. - Agentes do Além

Jogo de monstros

por Bruno Carmelo

R.I.P.D. – Agentes do Além começa de maneira didática e eficaz, explicando pela voz de um narrador o universo particular deste filme: trata-se de uma brigada de policiais mortos, cuja tarefa é prender almas que fugiram do julgamento final e decidiram permanecer na Terra. Com efeitos especiais a todo vapor, montagem acelerada e animações pop, o espectador pode achar que já compreendeu tudo o que precisava ser entendido, e a partir deste momento é só aproveitar as aventuras de Nick (Ryan Reynolds) e Roy (Jeff Bridges), novos parceiros na unidade R.I.P.D.

Mero engano: a narrativa tenta incluir tantos detalhes e reviravoltas que o filme é obrigado a passar o tempo inteiro explicando suas novas regras. Ou seja, depois de apresentar os “desmortos”, descobre-se que eles têm um cheiro ruim. Mais tarde, no entanto, fala-se na existência de um “desodorante da alma”, que mascara o odor. Ou então explica-se que os mortos são transportados ao céu por uma espécie de túnel. Mas quando é preciso introduzir um perigo na trama, surge um cetro mágico, a possibilidade de reverter o túnel e várias outras estripulias que invalidam a estrutura inicial. O filme lembra um jogo, do tipo que sempre pode ser continuado, com novos níveis e novos desafios, sem uma finalidade precisa. Talvez esse universo fizesse mais sentido nos traços criativos da graphic novel original do que num filme que pretende ser comercial e palatável tanto às famílias (a classificação etária é PG-13) quanto ao público adolescente e geek.

O roteiro fraco desperdiça uma boa ideia da história: opor o moderno ao antigo, como têm feito os grandes blockbusters dos últimos anos (Os Vingadores - The Avengers, 007 - Operação Skyfall). Neste caso, coloca-se um caubói morto séculos atrás (Bridges) para fazer parceria com um policial contemporâneo (Reynolds), opõe-se uma concepção da morte cheia de efeitos rebuscados – a subida ao céu é realmente espetacular – com um design de monstros voluntariamente precário e infantil, repleto de criaturas arredondadas e com poucos detalhes. O próprio túnel por onde sobem as almas é a representação ideal do embate entre modernidade e tradição: embora seja um mecanismo imenso e colorido, que comanda toda a humanidade, ele funciona como um simples ventilador.

Pelo menos, R.I.P.D. – Agentes do Além tem o mérito de reunir dois grandes atores cômicos: Jeff Bridges e Mary-Louise Parker, que dominam este tipo de piadas e gags velozes como ninguém. Cada diálogo simples é pronunciado com um duplo sentido, um tom de malícia capaz de tornar engraçados os diálogos mais insípidos do roteiro. É uma pena que os dois tenham que dialogar com Reynolds, ator de expressões limitadas e pouca desenvoltura cômica. As cenas de humor que se concluem com a câmera fixa no rosto do jovem ator são desastrosas.

Por fim, apesar de ter monstros e humanos, de combinar romance, ação, drama, comédia e ficção científica, de incluir prédios fantásticos com tubos infinitos e outras traquitanas, o filme acaba repetindo de maneira rígida a fórmula “herói íntegro que tem que salvar a mocinha das garras do vilão, além de salvar o mundo e ajudar o melhor amigo”. Hoje, mesmo as produções mais industriais de Hollywood permitem mostrar fraquezas do protagonista ou pequenas mudanças neste esquema, mas R.I.P.D. parece um manual de roteiro comercial, condensado e embalado com seres gosmentos.

A aparente subversão do “bom gosto” através da escatologia fica presa a uma estrutura que não permite nada além dos rumos mais previsíveis – incluindo uma infinidade de piadas com loiras gostosas e velhinhos chineses. Assim como os personagens principais, que são vistos pelos vivos com uma aparência diferente daquela que possuem, o filme também perde interesse pela defasagem entre a aparência cool e descolada e o conteúdo convencional.