Retrato de obsessões
por Bruno CarmeloO xadrez é um jogo tão complexo que, para dominá-lo, você precisa ser um praticante obsessivo, beirando a loucura. Esta é a tese de O Dono do Jogo, filme que explora diversas fobias: o medo do comunismo durante a Guerra Fria, o medo de perder a privacidade, o medo de não ser o melhor em sua área, o medo de não corresponder às expectativas de uma nação inteira, o medo de ser rejeitado pela comunidade e pela família.
No centro desta trama está Bobby Fischer (Tobey Maguire), o típico gênio perturbado. Ele descobre seu talento na infância, elimina qualquer traço de vida social e afetiva para se dedicar ao esporte, sofre por ser controlado pelo próprio dom. Ele chora, grita, age de maneira infantil, seguindo a representação mais romântica dos indivíduos geniais. Neste filme, talento é associado a sacrifício: Fischer entrega sua vida à glória do país, tendo como consequência o esfacelamento de sua personalidade.
O biografado pode efetivamente ter sofrido de problemas psicológicos graves, mas a maneira como o diretor Edward Zwick reforça esta característica demonstra um exagero questionável. Fischer é descrito unicamente por suas excentricidades, enquanto as pessoas ao redor se limitam a reforçar esses traços, seja pela atitude condescendente (o agente interpretado por Michael Stuhlbarg, que tolera todos os caprichos do colega), seja pela tentativa de trazer equilíbrio aos seus traços nervosos (caso do padre interpretado por Peter Sarsgaard).
O Dono do Jogo funciona melhor como suspense do que como biografia. O ritmo é tenso, a montagem faz cortes abruptos para gerar sobressaltos, a fotografia cria um ambiente próximo do pesadelo. A grande partida contra o adversário soviético Boris Spassky (Liev Schreiber) é filmada com todos os clichês e todas as qualidades de um embate entre heróis. Como biografia, no entanto, Zwick limita-se a filmar a obsessão de modo obsessivo, sem tomar distância crítica em relação a seu tema de estudo.
Quem assiste à produção tem a curiosa impressão de que os Estados Unidos só viam xadrez na televisão, liam sobre xadrez nos jornais e comentavam sobre xadrez nas praças públicas. Os temas importantes da Guerra Fria e das consequências da busca pela perfeição são deixados em segundo plano. Em outras palavras, o filme troca a reflexão pela sensação, apelando aos nervos do público sem satisfazer os inúmeros questionamentos éticos e morais deste episódio histórico.
Mesmo assim, as atuações impressionam: Tobey Maguire consegue transitar entre a histeria ofensiva e o vitimismo defensivo de maneira coerente e multifacetada. Seria fácil detestar esta figura grosseira, mas o ator traz compreensão ao personagem. Stuhlbarg e Schreiber também são muito competentes, sobretudo na segunda metade da história. Com este projeto, Zwick venceu o desafio de tornar o xadrez cinematograficamente dinâmico mas, no caminho, negligenciou o caráter humano e histórico dessa fábula da Guerra Fria.