Violência não esconde roteiro problemático
por Bruno BotelhoAdaptações de jogos para o cinema costumam render muitas polêmicas e desagradar grande parte do público, pois não conseguem captar a essência das obras originais. Mortal Kombat é uma das franquias mais populares de video game e passou pela experiência, nada bem sucedida, de ser adaptado duas vezes: Mortal Kombat (1995), de Paul W.S. Anderson, é odiado por muitas pessoas, enquanto outras acham um filme decente para a época; também tivemos sua sequência Mortal Kombat - A Aniquilação (1997), de John R. Leonetti, que é considerada uma das piores adaptações de todos os tempos.
Com isso chegamos em 2021 com um novo filme da franquia, Mortal Kombat. Na história, Shang Tsung (Chin Han), imperador da Exoterra, envia seu melhor guerreiro, Sub-Zero (Joe Taslim), para assassinar o jovem Cole Young (Lewis Tan). Temendo pela segurança da família, Cole vai em busca de Sonya Blade (Jessica McNamee) seguindo a indicação de Jax Briggs (Mehcad Brooks), um major das Forças Especiais, que tem a mesma estranha marca de dragão com a qual Cole nasceu.
Logo, ele se vê no templo do Lorde Raiden (Tadanobu Asano), um Deus Ancião e guardião do Plano Terreno, que abriga todos que possuem a marca. No templo, ele treina com os experientes guerreiros Liu Kang (Ludi Lin), Kung Lao (Max Huang) e Kano (Josh Lawson), enquanto se prepara para lutar contra os inimigos da Exoterra em uma batalha pelo universo. Será que Cole irá longe o suficiente para desbloquear sua arcana – o imenso poder da sua alma – a tempo de salvar não apenas a família, mas interromper os planos de Shang Tsung de uma vez por todas?
Essa adaptação dirigida pelo estreante Simon McQuoid pretende se aproximar mais dos fãs da obra original, especialmente com a violência gráfica tão marcante nos jogos – tanto que o filme recebeu classificação indicativa de 16 anos no Brasil. Porém, acaba falhando por causa de diversos problemas no roteiro e no desenvolvimento dos personagens.
Mortal Kombat sofre com escolhas problemáticas de roteiro e personagens rasos
A franquia Mortal Kombat é conhecida no mundo dos videogames pela quantidade excessiva de personagens e histórias repletas de detalhes complexos e mirabolantes. Para uma adaptação nos cinemas, era esperado uma simplificação para ser mais acessível para o público – além de que existem muitos jogos para serem condensados em apenas um filme. Apesar das dificuldades, podemos dizer que a equipe de produção de Mortal Kombat (2021) tomou as piores decisões.
A Warner Bros exigiu que o personagem Cole Young fosse o protagonista, que não existe nos jogos. Assim, o roteiro de Greg Russo e Dave Callaham, a partir de uma história de Russo e Oren Uziel, teve que utilizar Cole como introdução do público no universo de Mortal Kombat nos cinemas. Só que ele acaba virando um dos maiores problemas na narrativa como um personagem fraco e desinteressante, além do ator Lewis Tan não conseguir cativar o público com sua atuação sem emoção.
Essa seria apenas a ponta do iceberg para um roteiro que apresenta uma gama de personagens icônicos dos jogos, mas sem qualquer desenvolvimento para eles. Não existem motivações plausíveis para a grande maioria deles, que acabam se reunindo e batalhando apenas por conveniência do enredo. O mais problemático deles é Kano, interpretado por Josh Lawson, que é utilizado como alívio cômico de maneira equivocada, o que rende diversos momentos de vergonha alheia.
Os obstáculos são ainda mais agravantes com a escolha evidente de fazer uma espécie de filme introdutório para uma possível franquia no cinema, esquecendo de priorizar o primeiro capítulo. Isso é claro com a falta do famoso torneio Mortal Kombat, o que deixa as lutas mais desconexas e aleatórias, além da decisão de matar diversos personagens queridos pelos fãs. Poderia ser uma escolha ousada? Sem dúvidas. Mas acaba apenas deixando tudo mais descartável.
Batalhas sangrentas e caracterização dos personagens acabam salvando Mortal Kombat
O prólogo de Mortal Kombat é, de longe, o melhor momento da adaptação. Ele mostra a rivalidade inicial entre Bi-Han (Joe Taslim) e Hanzo Hasashi (Hiroyuki Sanada) com a melhor cena de batalha do filme. Apesar de estreante na direção, Simon McQuoid mostra potência nessa sequência. Ele consegue criar o clima de tensão inspirado nos filmes de samurai com um duelo violento e bem coreografado.
Mesmo com uma narrativa repleta de falhas irritantes, os fãs dos jogos vão abrir um sorriso com a caracterização bem fiel de, praticamente, todos os personagens. Os tão esperados "fatalities" sangrentos – brutais manobras de finalização da luta que leva o oponente à morte – estão presentes para todos os lados, com algumas coreografias empolgantes e bem executadas. Mas até nisso o filme acaba sofrendo, por causa de uma cinematografia simplista de Germain McMicking, resultado de cenários pouco inventivos.
As campanhas promocionais de Mortal Kombat focaram na rivalidade entre dois personagens icônicos: Sub-Zero e Scorpion. Esse é um ponto que a produção não decepciona e chega ao seu ápice na luta épica entre eles, que também são bem caracterizados. Sub-Zero é um vilão unidimensional, mas acaba encaixando bem na trama e é o único antagonista que funciona. Scorpion tem uma das motivações mais plausíveis, com sua sede de vingança do rival, e tem um retorno triunfal na parte final.
Mortal Kombat (2021) ainda não é a adaptação tão sonhada pelos fãs da clássica franquia de jogos. O filme sofre com um roteiro fraco, que simplifica a história de maneira problemática e não desenvolve seus diversos personagens. Apesar disso, pode servir como uma opção divertida pela galhofa estética proposta, que reproduz alguns dos melhores momentos das obras originais com muita violência e sangue, além de uma boa caracterização. Resta esperar para que uma vindoura sequência consiga equilibrar melhor esses elementos com a narrativa.