Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Amor Pleno

Entre o romance e a fé

por Lucas Salgado

Com 40 anos de carreira, Terrence Malick realizou apenas seis filmes, chegando a ter 20 anos de intervalo entre produções (no caso, entre Cinzas no ParaísoAlém da Linha Vermelha). Em 2011, realizou o primoroso A Árvore da Vida e já no ano seguinte lançou Amor Pleno. Tal curto intervalo é algo inédito na carreira do cineasta, sendo inevitável não considerar o novo filme como uma espécie de continuação do anterior. Não é totalmente o caso, embora o estilo e parte da temática se repita, mas uma coisa é certa: é muito difícil que uma pessoa que tenha se encantado por A Árvore da Vida não goste de Amor Pleno. E o inverso também é verdadeiro: se não foi tocado pelo anterior, é difícil que se envolva com o atual.

Mais uma vez em sua filmografia, Malick dá mais importância ao lado sensorial de seu filme do que ao narrativo. Ele confia no espectador o bastante para não precisar mastigar e já dar a comida pronta. Assim, o diretor filma o amor, e a dor, como nenhum outro. Em um romance tradicional, o público se envolve com a história e com o nascimento de uma relação entre duas pessoas. Em uma obra como Amor Pleno, o espectador se envolve com o sentimento por trás daquela paixão. Com a ajuda do extraordinário diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, Malick faz com que a plateia, ao menos aquela aberta a seus filmes, se entregue de corpo e alma.

Usando pouquíssimos diálogos, o diretor investe na relação entre Marina (Olga Kurylenko) e Neil (Ben Affleck). A primeira se muda com a filha de Paris para uma cidadezinha norte-americana, onde passa o morar com o sujeito. Não vemos como os dois se conhecem, mas contemplamos o crescimento de um amor que parece não ter fim.

Terrence Malick, no entanto, não está interessado em tratar da plenitude do amor (ao contrário do que sugere o título nacional). Assim como faz o público se apaixonar junto com o casal, o cineasta também mostra a inquietude do ser humano e o desgaste natural de uma relação. Neste sentido, é curioso notar a forma como ele brinca com seu espectador, que se envolve na relação entre o casal principal para depois vê-la encerrada. Aí, quando o público esperava não mais se envolver, somos jogados em uma nova paixão, entre Neil e Jane (Rachel McAdams).

É quase como uma obra sensorial. A trilha alta e elegante, as imagens da natureza e da sociedade em degradação. Tudo colabora para aumentar o envolvimento das pessoas e despertar sentimentos pouco comuns dentre de uma sala de cinema.

Usando analogias óbvias com relação a iluminação e cor de figurinos, o longa conta com um excepcional design de produção. Neil é visto quase que constantemente com cores escuras, enquanto que Marina começa com um branco quase angelical e vai escurecendo. Algo parecido acontece com Jane, com a diferença que ela, quando encontra o sujeito, vive um duro momento em sua vida, razão pela qual usa um azul bem escuro no figurino. Ela vê sua alma clarear, mas também sofrerá outras mudanças.

Assim como aborda o amor, To The Wonder (no original) tem a fé como objeto de estudo. Neste "núcleo" encontramos um padre (Javier Bardem) que sofre com a dura realidade do cenário a sua volta. Ele busca um sinal de Deus, enquanto procura ajudar as pessoas a sua volta. Malick e Lubezki não economizam na luz durante todo o filme, com a câmera encontrando com raios de sol durante toda produção e falando com todas as letras sobre a existência de uma luz espiritual. Diante disso, é curioso encontrar uma sequência em que o padre, com sua roupa toda preta, fecha as cortinas do quarto para impedir a entrada de luz. Ali, entramos na alma do personagem, questionador e inquieto.

O longa aborda vida e morte, homem e natureza, amor e dor. O público sofre com a perda e se encanta com o novo. O prazer, o desejo e a cobiça são alguns dos temas do filme, que tem como principal falha a não conclusão da história do personagem de Bardem. Na verdade, não há a necessidade de uma conclusão propriamente dita, até porque não há razão para que a inquietude do padre chegue ao fim, mas fica a sensação de que a trama poderia ser mais aprofundada. Lembra um pouco o papel que incomodou tanto Sean Penn em A Árvore da Vida

São muitos os atores que sonham trabalhar com Malick, mas também são vários que acabam cortados de seus filmes na montagem. Rachel Weisz, Jessica Chastain, Michael Sheen, Amanda Peet e Barry Pepper foram alguns que acabaram fora do corte final de Amor Pleno. Por outro lado, o diretor também trata muito bem seus atores e, principalmente, suas atrizes. Ele filma Kurylenko e McAdams como alguém que contempla suas belezas e passa isso muito bem para a plateia. Os atores, no entanto, acabam ganhando performances mais duras, como Brad Pitt no filme anterior e Ben Affleck aqui. O último, por sinal, nunca foi um grande ator, mas é tratado com tamanha elegância pela câmera que acaba convencendo.

Ao final, o filme dá uma demonstração de fé. Mas não se trata de acreditar em Deus ou defender qualquer religião. Estamos falando em fé no amor. Com direito a um agradecimento ao "amor que nos ama".