Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Besouro

Voando baixo

por Roberto Cunha

Quem conhece a trajetória vencedora do publicitário João Daniel Tikhomiroff desde os tempos da produtora Jodaf sabe de seu talento, responsável por filmes memoráveis e premiados no segmento que atuou ao longo da vida. Por outro lado, quem não se liga em publicidade e gosta de cinema, vai ter a oportunidade de ver em Besouro, seu longa de estreia, muitos de seus atributos, mas pode sentir falta de um visgo mais pegajoso na trama.

A história acontece no passado, fala da vida dos negros, mostra que mesmo com o fim da escravidão, o ‘trabalho' continuou nos canaviais e plantações, e a capoeira, luta disfarçada de dança praticada por eles, era marginalizada pelos brancos. Inseto que provoca as leis da aerodinâmica por sua capacidade de voar, no cinema Besouro é um jovem que desde pequeno aprendeu com um escravo, o ancião Mestre Alípio, as manhas da capoeira e tornou-se uma fera da arte marcial. Mas cuidado com o ‘rabo de arraia'. Porque se a sua expectativa era encontrar um filme de ação baseado na luta, o golpe pode ser fatal. Ele abre com um som que muita gente já deve ter ouvido pelo menos uma vez na vida: o bater de asas de um besouro. Para situar o espectador, insere na tela créditos históricos e, como não poderia deixar de ser, introduz a luta na telona. E para por aí. Este, talvez, seja o maior problema do roteiro. Dividido entre apresentar conteúdo e fazer ação, Besouro sobrevoou um pouco de cada e ficou devendo.

Ele apresenta elementos que podem agradar o público como boas cenas de ação com toda a plasticidade que a luta já oferece, aliada ao apuro técnico da coreografia – em sua grande maioria - de bom gosto. O que faltou mesmo foi deixar pegar embalo. Tem um monte de frases de efeito para conferir peso à trama como "Preto é para a vida inteira", "não existe o bem sem o mal", "o herói nasce quando o inimigo vacila", mas elas soam soltas. E não é pelo fato de serem ditas por atores desconhecidos ou pelo narrador, mas pela falta de uma ginga propulsora na trama que envolva o espectador. Sem contar que o nome do personagem é repetido tantas vezes em alguns momentos que parece recurso de novela. O destaque no elenco vai para Irandhir Santos (Noca), convincente como vilão. E curiosamente é ele quem profere duas frases preconceituosas que, salvo profundo desconhecimento histórico deste que vos escreve, são atuais: "preto quando não faz merda na entrada, faz na saída" e outra alusiva a junção de "pinga e galinha preta que é macumba na certa".

Assim como a parte mística do candomblé e seus Orixás foi muito pouco explorada, sobrando para um inexpressivo Exu com voz gutural e a rápida aparição de Iansã, o roteiro deu mais um golpe fraco ao apresentar um batido triângulo amoroso, igualmente superficial. Felizmente, as breves cenas de romance são de bom gosto, a de sexo, moderada, e o ponto alto vai para o bom resultado quando eles ‘jogam' capoeira amorosamente. É inegável a qualidade da fotografia e a câmera estilosa do diretor. A trilha é boa e a música tema (Cordão de Ouro) levada pelo grupo Nação Zumbi tem pegada de hit. Besouro foi baseado em um livro sobre um capoeirista nascido em Santo Amaro da Purificação, lá no recôncavo baiano, terra de Dona Canô e seus célebres filhos Caetano e Bethânia. E foi, realmente, uma pena voar tão baixo num universo rico em misticismo e personagens, resultando num filme bem produzido, mas sem ritmo e que dá a nítida impressão que poderia ser diferente. A sensação que se tem é que assim como o inseto na vida real, Besouro no cinema quando cai de barriga para cima também demora a levantar.