Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Habemus Papam

Orem por mim

por Francisco Russo

A proposta de Habemus Papam é tentadora. E se, após um novo Papa ser eleito pelos cardeais, ele se recusar a tomar posse do cargo? É assim, com uma história que beira o surreal mas ao mesmo tempo bem viável, que o diretor Nanni Moretti conduz seu conto sobre os bastidores do Vaticano, expondo com sutileza características humanas de forma a colocá-las em conflito com supostas obrigações divinas.

De certo modo, a história é bastante simples e gira em torno da recusa de Melville (Michel Piccoli) em assumir o trono do Vaticano. Eleito por seus pares sem sequer fazer campanha, ele fica apavorado com o peso da responsabilidade e, minutos antes de ser apresentado ao público, tem uma síndrome de pânico. É o suficiente para colocar todo o Vaticano em crise, já que o anúncio de um novo Papa fora feito, através da tradicional fumaça branca, mas ele mesmo jamais foi apresentado. O relógio torna-se inimigo e, à medida que o tempo passa, a situação piora. Para quem está do lado de fora, devido aos cada vez mais constantes questionamentos dos fiéis e da imprensa, e do lado de dentro, pela incompreensão dos cardeais sobre o que está acontecendo. Afinal de contas, se ser Papa é um fardo, este foi o desígnio de Deus para o escolhido.

É a partir desta questão entre obedecer a escolha divina e atender aos seus medos pessoais que Moretti começa a trabalhar a questão do homem perante a Igreja. Melville em momento algum perdeu ou questionou sua fé, ele simplesmente não se vê com capacidade para liderar o Catolicismo e promover as mudanças necessárias. Entra então o lado político, já que uma recusa de tal porte soaria vexatória e levantaria questionamentos que poderiam abalar a religião como um todo – ou ao menos a influência que ela tem nas pessoas. Diante de tanto em jogo, a vontade pessoal é algo que não deve ser levado em conta. Este é o pensamento do Vaticano, que se vê em apuros justamente ao descartar por completo a opinião de Melville. Em pânico, toma uma medida sem notar que seria um tiro no próprio pé: chama um psicanalista para atendê-lo.

É a partir deste momento que Nanni Moretti, o ator, entra em cena. É também o grande calcanhar de Aquiles do filme, já que uma situação é gerada de forma que a trama seja dividida em duas realidades, uma protagonizada pelo novo Papa e outra pelo psicanalista. Se por um lado as cenas estreladas por Moretti revelam traços humanos nos cardeais, como vaidade e competitividade, por outro soam gratuitas dentro da trama como um todo. A impressão que fica é que a figura de Moretti em cena atende mais ao ego do próprio diretor, que costuma estrelar seus filmes, ao invés de servir à história.

Habemus Papam é um filme de fina ironia, que critica a política e o pensamento do Vaticano de forma muito sutil até o desfecho consagrador, refletido no insólito discurso de Melville e na reação exagerada, e tipicamente italiana, dos demais cardeais. Um bom filme graças à abordagem dos temas envolvendo o Vaticano, apesar de certas falhas de roteiro causadas pela opção de Nanni Moretti em também atuar. Fosse outro ator e provavelmente o caminho do psicanalista dentro da história seria outro.