Os monstros estão de volta
por Francisco RussoKong: A Ilha da Caveira pode ser classificado como a mescla de dois mantras da Hollywood atual: marcas são mais importantes que histórias e tudo que faz sucesso deve ser replicado a qualquer custo. Senão, vejamos: King Kong é um ícone do cinema, já levado às telonas em três momentos distintos - e o mais recente em 2005, ou seja, ainda na década passada. Diante deste retrospecto, a saída para não se repetir seria apresentar uma espécie de prelúdio da história clássica do personagem, quando ele ainda vivia na Ilha da Caveira. Por outro lado, o sucesso do Universo Cinematográfico Marvel fez com que todo e qualquer estúdio buscasse franquias onde fosse possível interconectar seus personagens principais, de forma a desenvolver uma grande teia narrativa dividida em vários (e lucrativos) episódios. A Universal busca tal proposta com seus monstros clássicos (Drácula, Frankenstein, lobisomem, múmia, etc), a Paramount pretende expandir o universo Transformers com spin-offs, a própria Warner faz o mesmo com os heróis da DC Comics. No caso, a ideia é reunir Kong com Godzilla, Mothra e outros monstros bem conhecidos dos filmes de ação japoneses.
Ou seja, conceitualmente - pela ótica dos produtores que adoram uma fórmula ao invés de ousar - Kong: A Ilha da Caveira é um sucesso! Blockbuster assumido, elenco cheio de nomes conhecidos (mas nenhum astro, o que barateia nos cachês), repleto de efeitos especiais grandiosos e bem realizados, com a possibilidade não apenas de render sequências - no plural - como conexões em uma imensa franquia. Só que esqueceram do primordial: uma boa história. E é muito graças à ausência dela que a aventura dirigida pelo quase estreante Jordan Vogt-Roberts fracassa.
Entretanto, é preciso dizer que Kong inicia bem. Deixando de lado a história clássica, o filme rapidamente se instala em 1973, imediatamente após a saída norte-americana da Guerra do Vietnã. Tal momento conturbado não apenas traz uma pitada política à trama, bem de leve, como é também a justificativa para a grande influência do diretor: Apocalypse Now, por muitos considerado o maior filme de guerra já feito! O longa dirigido por Coppola surge em cena em vários momentos: seja pela fotografia amarelada e em tons quentes, pela dinâmica dos militares envolvendo a guerra, pelo repetido uso de helicópteros com o sol avermelhado ao fundo ou por uma cena curta, mas de simbolismo imenso: um homem sorrindo de prazer, saboreando as explosões causadas pelas bombas na Ilha da Caveira, refletidas em seus óculos escuros. Mais Bill Kilgore, o personagem interpretado por Robert Duvall em Apocalypse Now, impossível!
Só que Kong aparece, e o problema não é nem mesmo a existência do macaco gigante mas a reviravolta que ele provoca na história que se segue. Se o primeiro embate do rei da ilha até impressiona, provocando uma imersão do espectador ao posto de tripulante do helicóptero de forma a justificar o ingresso 3D em uma sala IMAX, a partir de então o roteiro se dilui em uma pobreza impressionante. Com todos em terra firme, a personalidade de cada coprotagonista ganha destaque de forma pífia. Nenhum deles é bem desenvolvido, seja por estar ali ou pelas intenções que possui a partir de então. Pior: bons atores, como Tom Hiddleston e Brie Larson, são completamente desperdiçados, visto que a trama não explora o ar de anti-herói com o qual Hiddleston é apresentado e mesmo Larson jamais deixa a postura clássica da "loira do Kong". Ambos, analisando friamente, chegam a ser desnecessários na história.
Diante de tamanha pobreza, o roteiro passa a apresentar sucessivas cenas que beiram o constrangimento. Se logo no início já havia um estranhamento pela existência de uma espada samurai dentro do cockpit de um avião de guerra (???), há o "teletransporte" de dois personagens, que não estavam nos helicópteros, para o local onde estão os sobreviventes - falha grave de continuidade! Pouco depois, Brie Larson tenta levantar, sozinha, um helicóptero e, mais adiante, apresenta uma fala inacreditável diante de uma discussão entre outros personagens. Hiddleston, por sua vez, tem sua usual cena de herói usando uma máscara de gás para, ainda rodeado de gás tóxico, retirar a proteção e seguir em frente - existem limites físicos em torno do gás em um ambiente aberto? John Goodman, sempre com olhar arregalado, perde completamente a função na trama, enquanto Samuel L. Jackson assume de vez o tom esquemático de seu personagem.
É claro que não se espera realismo de um filme sobre um macaco gigante que vive em uma ilha rodeada por uma tempestade eterna, mas o mínimo que um roteiro do tipo deve entregar é algo coerente com o universo retratado. E isto não acontece nem com os humanos, por suas atitudes em determinados momentos, nem com os monstros. Ou como explicar a imensa discrepância de tamanho entre os seres que abrigam a ilha ou ainda a cena em que Kong, em um lago que sequer atinge seu joelho, é agarrado por um polvo gigante que seria impossível existir na (pouca) profundidade e espaço apresentados pelo próprio filme? É como se o roteiro, seguidas vezes, chamasse o espectador de otário, subestimando sua inteligência.
Após um imenso hiato constrangedor, iniciado logo após o primeiro confronto com Kong, o filme ainda consegue se recuperar na batalha final. É quando a excelência dos efeitos especiais fica mais uma vez nítida, ainda mais por todo o duelo acontecer no claro, à vista de todos - ao contrário do extremamente escuro Godzilla, que dá início à esta franquia. Kong: A Ilha da Caveira enfim se assume como um clássico filme de monstros, entregando ao espectador o que se espera de uma produção nestes moldes.
Blockbuster descerebrado ao extremo, Kong: A Ilha da Caveira provoca poucos momentos de diversão em meio a um imenso desperdício de elenco, extremamente prejudicado pela fragilidade do roteiro escrito pelo trio Dan Gilroy, Max Borenstein e Derek Connolly. Já o diretor Jordan Vogt-Rhodes até demonstra lampejos interessantes, seja pelo modo como homenageia Apocalypse Now ou como traz características dos games para a ação do longa-metragem.
Com uma trilha repleta de clássicos do rock'n'roll, inseridos quase aleatoriamente no desenrolar do longa-metragem, Kong: A Ilha da Caveira traz ainda uma cena pós-créditos que escancara a conexão com os demais filmes da franquia e ainda levanta um problema a ser resolvido: se este filme é situado em 1973, e o já lançado Godzilla nos dias atuais, o que fazer em Godzilla vs Kong, já agendado para 2020, para que o elenco deste filme esteja presente? Se um prelúdio a Godzilla seria a solução mais óbvia, isto não bagunçaria a cronologia da franquia já em seus primeiros filmes? Ou, no fim das contas, este é apenas mais um detalhe de coerência que será simplesmente ignorado pela franquia? A resposta, só o tempo dirá.