Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Romance

Uma troca inteligente

por Roberto Cunha

De uns anos para cá, a simbiose entre tv e cinema tornou-se uma constante, principalmente, por conta da entrada da emissora (outrora líder absoluta) no segmento da sala escura. E como a televisão, de fato, é uma paixão nacional, as novas produções acabaram sendo estreladas por atores e realizadas por profissionais, ambos egressos do veículo. A questão é que cinema é cinema. Televisão é televisão. O roteiro tem formato diferente. A técnica é outra. Não adianta colocar diretor de tv que tem mania, por exemplo, de registrar super closes ou fixação em plano e contra-plano (o tal "padrão global") porque os filmes acabam virando caça-níqueis. Foi o que aconteceu. O diretor Guel Arraes, no entanto, é um dos poucos que conseguem transitar bem entre os dois meios e já promoveu, inclusive, a troca entre eles com resultados positivos. O mais emblemático seria O Auto da Compadecida, que veio da televisão, foi adaptado, e conquistou o cinema, levando mais de dois milhões de espectadores. Já Lisbela e o Prisioneiro foi seu primeiro longa feito para o cinema e obteve grande sucesso. Mas quem procura estilo dos renomados e cultuados diretores (a maioria não compreendidos por muitos espectadores) pode não gostar. O filme é simples. Mas cumpre seu objetivo.

Em Romance, Guel volta a narrativa mais uma vez para o sertão retratado de maneira peculiar, com detalhes típicos da cultura local, como as rimas, o cordel, entre outras artimanhas do diretor que não nega suas origens. O grande barato é que ele se passa no presente, ancorado no clássico conto de amor "Tristão e Isolda", provável inspiração para o inesquecível "Romeu e Julieta" de Shakespeare. Essa informação foi didaticamente inserida no roteiro, gerando mais conhecimento para o grande público e vendendo o argumento do filme. Uma boa sacada. No feliz roteiro de Guel e Jorge Furtado (Saneamento Básico - O Filme), Wagner Moura vive um diretor de teatro que procura uma atriz para montar a peça "Tristão e Isolda". Em sua busca, ele encontra em Ana (Letícia Sabatella) alguém para atuar e também viver uma história de amor. Furtado e Arraes conseguiram de uma maneira inteligente sacar de um clichê (a vida imita a arte) para realizar um bom filme. Na história, que mistura teatro e tv, não faltam críticas à sociedade, culto à fama, ao vazio da televisão (coragem do diretor), o famigerado "teste do sofá", o apego ao dinheiro, entre outros pontos.

O divertido personagem de Andréa Beltrão (O Coronel e o Lobisomem), por exemplo, é a clara evidência daqueles que só pensam em fazer sucesso, dinheiro e o que vier a reboque. Marcos Nanini (A Grande Família - O Filme) faz uma participação emblemática como uma mega estrela histérica que reclama da ausência de couro em sua roupa: "Isso é napa!! Naaapa!!" Hilário na interpretação, caricato no personagem e verdadeiro na essência. O único ponto inverosímil da trama (não chega a ser um problema) foi a facilidade do personagem de Vladimir Brichta se fazer passar por um "local" do sertão e ninguém - na trama - se dar conta que ele estava interpretando. Por outro lado, seu personagem faz um merchandising falado (por duas vezes) de uma marca de automóvel e essa sacada, inserida no contexto da trama, foi inteligente. Bem diferente do que o grande público está acostumado a ver na tv. É certo que você vai lembrar de outros trabalhos do diretor e roteirista porque o filme tem seu DNA. E o fato é que Romance é um grande caso de amor com o cinema bem feito. E tem grande chance de ser bom para você também. Aproveite!