O espetáculo da morte
por Bruno CarmeloNeste ano de 2012 em que os maiores sucessos de bilheteria são estrelados por heróis dos quadrinhos (Batman, Os Vingadores), Dredd aparece como uma grande ousadia no circuito comercial. Com orçamento certamente inferior aos concorrentes, ele decide optar por uma linguagem e uma estética inovadoras, sem concessões, que não tentam agradar a todos os tipos de público. Dredd efetua duas mudanças radicais em sua história, tanto na noção de tempo quanto na noção de espaço.
O tempo é radicalmente conciso e fluido: a ação se passa durante uma tarde, em uma única ação do juiz Dredd, na cidade pós-apocalíptica Mega City Um. Ao invés de retratar a evolução dos personagens, e de diversos coadjuvantes, esta trama se concentra em três ou quatro figuras principais, e cola a câmera aos protagonistas, retratados praticamente em tempo real. Nasce uma impressão de realidade rara e bem-vinda dentro do gênero da ficção científica.
Já o espaço é utilizado com maestria. Enquanto Batman e Vingadores alteravam entre cenas na terra, no ar e no mar, Dredd prefere explorar minuciosamente um espaço só, o prédio em ruínas Peach Trees. Esta escolha é um verdadeiro presente aos diretores de arte e designers de som, que conseguem explorar com detalhes as infinidades de corredores, salas e passagens, com diversos ruídos de portas, elevadores e grades ecoando pelo edifício. O diretor explora muitíssimo bem a geografia do local, criando uma ambientação coesa e complexa. Este é um dos raros filmes de herói em que o espaço é de fato um personagem da história, e não apenas um pano de fundo para cenas de combate.
Neste espaço-tempo bastante particular, ocorrem muitas dezenas de mortes, com um grau de violência e estetização surpreendentes. Para o diretor Pete Travis, não basta ver os corpos caírem e sangrarem, eles precisam cair em câmera lentíssima – justificada na trama pela presença de uma droga que produz justamente a impressão da câmera lenta -, com sangue vermelho claro explodindo belamente pelos ares. Cada gota brilha e voa em direção ao público, nesta que é provavelmente a obra com o 3D mais ostensivo que o cinema já produziu até hoje. Todos os planos são feitos para o efeito de profundidade, para as partículas voadoras e brilhantes de espuma, sangue, suor e drogas.
Entretanto, como ocorre com a maioria de filmes com grandes espetáculos visuais, existe uma mensagem não muito agradável por trás do impressionante carnaval. Dredd é uma dessas obras que se deliciam com o espetáculo da morte, com a carnificina em si. O juiz Dredd (Karl Urban) não hesita em matar crianças ou adultos, vítimas ou inocentes. Para ele, um mendigo na rua é tão criminoso quanto um traficante, basta eliminá-lo e seguir em frente.
Já que este filme efetua a crônica de uma civilização futura, fica o gosto amargo de um conformismo reacionário, que acredita que "bandido bom é bandido morto", que "policial e ladrão, é tudo farinha do mesmo saco". Isto fica muito claro em duas cenas: na primeira, alguns juízes corruptos enfrentam Dredd, todos vestidos com o mesmo uniforme e o mesmo capacete. Nesta disputa, talvez o espectador não saiba mais quem é o herói e quem são os adversários, mas pouco importa: a cena vale pela matança em potencial. Em outro momento, rumo à conclusão, um corpo é jogado do alto do prédio e o crânio é esmagado contra a lente da câmera, enquanto o sangue jorra pelos lados e pingos voam pelos ares.
Em Dredd, as mortes belas e empolgantes são um fim em si, pouco importa a identidade de quem morre. No final, a obra é curiosamente sustentada por estes dois pilares: uma inteligência fora do comum no uso da linguagem cinematográfica e um conservadorismo (infelizmente) bastante comum em seu retrato social.