Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
O Futuro

O fim do mundo será triste

por Bruno Carmelo

Este era um dos slogans de Melancolia, filme de Lars von Trier que também abordava o tema do apocalipse: “O fim do mundo será belo”. Não desesperador, com massas de pessoas se suicidando e matando umas às outras pelas ruas, mas depressivo, intimista, mesmo bonito. A catástrofe planetária é igualmente vista simbolicamente em O Futuro, curioso projeto de baixo orçamento da artista-plástica-transformada-em-diretora Miranda July, sobre jovens adultos contemporâneos e sua incapacidade em amadurecer.

Ao contrário de Lars Von Trier, que criava uma versão operística do fim dos tempos, July, conhecida por investigar as angústias dos indivíduos, prefere fazer algo equivalente a um pequeno teatro de fantoches. Seu primeiro filme, o ótimo Eu, Você e Todos Nós, constituía uma homenagem otimista aos solitários homens urbanos. Desta vez, a cineasta cria uma pequena fábula sombria onde todos os elementos, humanos ou não, sentem-se incompletos: o casal jovem quer experimentar a paternidade – mas apenas temporária, abrigando um gato em fase terminal -, este mesmo gato lamenta sua solidão enquanto espera por donos, a Lua melancólica conversa com as pessoas sobre o tempo que passa, a camiseta abandonada arrasta-se pelas estradas buscando seu dono.

O Futuro assemelha-se a um filme episódico, com pequenas histórias que possuem, cada uma, seu pequeno conflito. Sophie (Miranda July), diante da experiência de maternidade simbólica, inicia um relacionamento extraconjugal, com direito a uma das cenas de sexo mais desconfortáveis que o cinema já filmou – e que uma diretora reservou para si mesma, como atriz. Jason (Hamish Linklater) abandona o trabalho e tenta encontrar novas motivações. A camiseta abandonada ganha um momento só para ela, apoderando-se de um corpo e dançando com ele em um dos instantes mais belos desta história – infelizmente, um dos mais desconexos também. Os personagens se impuseram um prazo: 30 dias para viver a vida ao máximo, porque depois disso tudo desaba. Mas o frenesi do apocalipse iminente é trocado pela letargia, quando eles constatam que não sabem viver plenamente.

A história ainda exclui do horizonte a noção de mundo exterior, tão importante no gênero “indie”. Na maioria dos casos, o cinema independente norte-americano apresenta personagens solitários que se batem contra um sistema, contra o olhar reprovador da maioria. Neste caso, é fácil se identificar com esses heróis anônimos. Já o filme de July não mostra nada além do casal, em sua casa, tomando decisões moralmente questionáveis. Existe uma grande sensação de vazio, tanto pelas ruas desertas, pela ausência de sons, quanto pela falta de rumos dos personagens. Como indica a presença do gato, a morte está próxima. Não é possível fazer mais nada, e os personagens arrastam-se de um lado para o outro, sem atos de bravura, sem buscar a compaixão do espectador.

Esta produção transparece as imensas dificuldades que enfrentou para ganhar as telas. O roteiro foi por negado por quase todos os produtores, que queriam impor alterações significativas, o título foi mudado diversas vezes, várias cenas foram alteradas e remontadas no final do percurso, e muitos amigos da diretora aconselhavam-na a retirar a triste narração do gato (feita pela própria July), mas a diretora manteve-se firme, dizendo que abandonar este ponto de partida seria “ceder ao terror”. De certo modo, July tinha um projeto radical em mãos – um “indie” que, diferentemente da maioria dos filmes do gênero, não é alegre e inconsequente, mas profundamente niilista. Até o cosmos vem dizer aos personagens que o tempo destrói todas as coisas. O Futuro insinua, basicamente, que o futuro não existe.

Mas o filme conseguiu ser concluído, aos trancos e barrancos, e constituiu por fim uma coleção de cenas, algumas excelentes, outras estranhas, que nunca verdadeiramente formam um conjunto coerente – as 30 danças não ganham função narrativa, isso sem falar na garota que se enterra viva. Este filme estranho, amorfo, heterogêneo, pelo menos reflete a luta para se produzir obras radicais, sem concessões, sem torná-las mais acessíveis ao grande público. Logo depois do prêmio Caméra d’Or vencido por seu primeiro filme, a diretora tinha portas abertas para conquistar o mercado indie. Mas ela preferiu trilhar os tortuosos caminhos subterrâneos que ligam o cinema comercial à videoarte, trazendo uma obra imperfeita, mas corajosa e instigante.