<b>Algoz de si mesmo</b>
por Roberto CunhaVocê já ouviu falar de Simonal? Nunca escutou o nome Simoninha? Pois é, Wilson Simonal foi um dos grandes cantores pop da década de 60 e 70, com turnês de 340 shows em um ano, marcado até a morte por um erro, misto de ingenuidade e arrogância. Negro, debochado e talentoso numa época de brancos, sisudos e nada criativos, o artista foi algoz de si mesmo ao sucumbir ao poder conquistado pela fama.
Simonal, Ninguém Sabe o Duro Que Dei é um tributo ao cantor assumidamente mascarado, que em plena ditadura militar conseguiu emplacar um sucesso atrás do outro e, principalmente, orquestrar multidões. O documentário lava a sua alma e a de sua família, através de imagens de arquivo (algumas antológicas) e depoimentos de personalidades que viveram aquele momento ao seu lado ou como espectador. São nomes conhecidos como Chico Anysio, Miéle, Nelson Motta, Ziraldo, o pesquisador Ricardo Cravo Albin, Pelé, Toni Tornado, Artur da Távola e Jaguar entre outros.
No filme, você vai conhecer, ou relembrar, um ícone da MPB e, talvez, o primeiro entertainer brasileiro por sua facilidade de apresentar, cantar, dançar e fazer rir. E o primeiro artista internacional que enfrentou a música americana e o "iê,iê, iê". E como é fácil perceber isso através das imagens. Ver o domínio que exercia sobre o público. Como aconteceu quando convidado para abrir o show de Sérgio Mendes em um festival no Maracanazinho com 30 mil pessoas em suas mãos. O sucesso do parceiro intimidou o próprio Mendes de entrar no palco. Esse era Wilson Simonal. O vozeirão, às vezes escrachado, da "pilantragem" de Carlos Imperial, de "Meu Limão, Meu Limoeiro..." ou de "País Tropical", onde cunhou as frases cortadas ("Mó no pa tro pi...") cantadas até hoje e que viraram nome de personagem humorístico.
Inovador por natureza, Simonal lançou faixas na cabeça e grossos cordões no pescoço, parecendo um precursor do "bling bling" do Hip Hop americano. E mesmo assim, foi riscado da história musical do País. Por acreditar ter sido vítima de um golpe financeiro, Simonal usou suas ligações com o poder, típico dos famosos que com todos falam sem necessariamente se relacionar, e pediu ajuda para membros do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão repressor da época, para darem um violento "corretivo" em seu contador.
O episódio foi a deixa para a fama de dedo duro da direita, apontada pela mídia e a esquerda brasileira, manchando para sempre a carreira dele. Simonal, Ninguém Sabe o Duro Que Dei é um documento emocionante, conduzido com a ajuda dos filhos Max de Castro e Simoninha, e que revela como uma mera questão trabalhista o transformou de garoto propaganda da Shell a braço direito da ditadura. Sua frase "Eu não existo na música brasileira", reproduzida por sua segunda esposa Sandra Cerqueira, é lapidar.
Simonal calou-se aos 62 anos, não sem antes provar sua inocência, embora nunca reconhecida pelo público. Abandonado pela classe artística, mídia e pelo público de uma maneira geral, morreu no ostracismo. Crucificado, curiosamente, não pelo erro imperdoável da tortura, mas por um crime que não cometeu e que a sociedade, influenciada por um personagem marcante na história da religião, não perdoa: a delação.