A mocinha e o bandido
por Bruno CarmeloA história real por trás de Grandes Olhos é extraordinária: Margaret Ulbrich é uma pintora insegura, mãe solteira, até descobrir o carismático Walter Keane e se casar. Ela cria obras populares de crianças com grandes olhos, mas Walter passa a assumir publicamente a autoria das obras, com a conivência da esposa. Dez anos mais tarde, ela decide processá-lo na justiça para retomar o direito de seus próprios quadros. Mas como todos teriam acreditado nessa farsa durante tanto tempo? Por que Margaret teria se deixado levar pelo esquema? Estas são algumas das questões fascinantes levantadas pela história.
É curioso que esta trama tenha sido filmada por Tim Burton, autor de grandes obras fantásticas como Alice no País das Maravilhas, A Fantástica Fábrica de Chocolate e Edward Mãos de Tesoura. Após uma série de produções mal-sucedidas, ele decidiu se arriscar em um drama simples e naturalista. A intenção é boa, e muitos cineastas conseguiram retomar rumos mais criativos após fugirem de seus estilos habituais. No caso de Burton, no entanto, o resultado deixa a desejar.
Grandes Olhos é um drama convencional até demais. Os personagens são apresentados de maneira cronológica, linear, com direito a uma narração afirmando exatamente o que a imagem já diz. O relacionamento entre Margaret e Walter evolui de maneira apressada: eles se conhecem, se gostam, se casam, ela pinta, ele assume a autoria, ela aceita, eles ganham milhões. A trajetória ascendente é mostrada sem nuances, sem desvios. Não existem cenas tentando investigar a psicologia dela, nem dele. Esta é uma história de fatos, evoluindo com a sutileza de uma reportagem jornalística.
Amy Adams e Christoph Waltz são atores competentes, como têm comprovado diversas vezes nos últimos anos. Mas ambos são escolhas questionáveis para os papéis centrais: ela, que sempre fez personagens frágeis, foi levada a interpretar uma mulher ainda mais frágil; ele, habituado ao papel do vilão charmoso, faz um papel ainda mais malvado e mais charmoso. Adams e Waltz constroem esses personagens com facilidade, mas sem grande criatividade. Conforme o maniqueísmo se acentua, eles mais parecem caricaturas de suas próprias personas.
Assim, Margaret representa gradativamente o papel da vítima (com o público a seu favor, por conhecer a verdade desde o começo), enquanto ele se transforma em um adversário malvado, digno dos vilões de filmes de super-herói. No clímax, Waltz parece inspirado no Iluminado de Jack Nicholson, fornecendo alguns momentos constrangedores – que talvez funcionassem bem no universo paródico de Tarantino, mas são dissonantes em um drama clássico como este.
Mas Grandes Olhos decepciona principalmente por sua falta de ambição. Tim Burton não está interessado em conhecer os segredos íntimos desses personagens, em fazer experiências com a imagem, com a narrativa, com a luz, com o discurso. Ele se apoia em uma moral otimista (“a verdade sempre prevalece sobre a mentira”) para conduzir seus personagens ao fim previsível desta fábula. A cena do tribunal, grande desfecho já anunciado pelo trailer, remete justamente à linguagem infantil, graças ao ritmo cartunesco da atuação de Waltz e à trilha sonora pontuando o suspense, enquanto a montagem acelera o ritmo rumo ao esperado veredito.
Uma cena permite transparecer o olhar criativo do autor: em um supermercado, perturbada pelos quadros e pela opressão do marido, Margaret começa a ver olhos gigantescos nas pessoas ao seu redor. Esta é uma fantasia simples, bela, um raro momento de lirismo neste filme de pouca imaginação. Burton ameaça incluir uma discussão relevante sobre o embate entre arte popular e arte erudita, questionando a relevância dos quadros de Margaret, mas o discurso sobre a “obra na arte na era de sua reprodutibilidade técnica” é rapidamente deixado de lado para retornar ao conflito familiar.
O público termina o filme conhecendo pouco sobre Margaret, pouco sobre Walter, e ainda menos sobre o que teria motivado Burton a fazer este filme desta maneira. Grandes Olhos é uma obra impessoal, que poderia ter sido desenvolvida por qualquer diretor. Uma espécie de telefilme munido de uma história interessante, mas executado de modo burocrático e pouco inspirado.