Críticas AdoroCinema
4,5
Ótimo
Duna

Um épico grandioso e deslumbrante

por Bruno Botelho

Duna (1965), de Frank Herbert, é considerado um dos livros mais importantes da ficção científica, mas também uma obra difícil de ser adaptada devido a sua grandiosidade e complexidade temática. O primeiro cineasta que encarou o desafio de levar essa história para o cinema foi Alejandro Jodorowsky (A Montanha Sagrada) nos anos 70, mas suas ideias eram tão megalomaníacas (envolvendo nomes como Pink Floyd, Mick JaggerOrson Welles e até Salvador Dalí) que ele não conseguiu financiamento para realizar a produção – o que é mostrado no excelente documentário Duna de Jodorowsky, de 2013. Somente em 1984 que tivemos a primeira adaptação de Duna para o cinema, comandada por David Lynch (Cidade dos Sonhos) – mas o filme passou por diversos problemas de produção e foi um fracasso de crítica e bilheteria. A obra só voltaria ao audiovisual em 2000, com uma minissérie pouco conhecida pelo público, e o insucesso desses versões anteriores fez com que Duna se tornasse um projeto complicado e arriscado em Hollywood, missão que Denis Villeneuve (Blade Runner 2049) aceitou, prometendo captar toda a magnitude desse universo e fidelidade ao material original em Duna (2021). Será que ele conseguiu?

Em Duna, seguimos Paul Atreides (Timothée Chalamet), cuja família passa a administrar o planeta desértico Arrakis (conhecido pela população nativa como "Duna"), lugar de única fonte da especiaria rara chamada "melange", o material mais valioso do universo, fundamental para comércio e desenvolvimento tecnológico. Enquanto isso, uma conspiração está se formando contra os Atreides partindo de uma família rival conhecida como Harkonnens, e o destino de Duna está eventualmente em jogo, mas o próprio Paul pode estar no centro de uma profecia profetizada há muito tempo que ele ainda não entende. 

Duna de Denis Villeneuve é um épico grandioso e deslumbrante de ficção científica 

Poucos diretores da atualidade seriam mais certeiros para uma adaptação de Duna que Denis Villeneuve. Ele fez diversos filmes aclamados em sua carreira como IncêndiosOs Suspeitos e O Homem Duplicado, mas recebeu ainda mais reconhecimento depois de Sicario: Terra de Ninguém e A Chegada. Por isso, ele resolveu se arriscar com obras complicadas como Blade Runner 2049 e, principalmente agora, com Duna. Projeto dos sonhos de Villeneuve, a obra de Frank Herbert lida com temáticas ricas e complexas como política, ecologia, religião e filosofia. Por isso, o roteiro, escrito pelo diretor ao lado de Jon Spaihts e Eric Roth, toma a decisão de simplificar e introduzir muitos conceitos para o grande público – mantendo a fidelidade ao material original – e, principalmente, fazer do filme uma apresentação ao universo de Duna.

O público acompanha de perto a Casa Atreides – principalmente pelos personagens principais, o Duque Leto Atreides (Oscar Isaac), seu filho Paul Atreides (Timothée Chalamet) e sua concubina Lady Jessica (Rebecca Ferguson), que também é uma Bene Gesserit (antiga escola de treinamento físico e mental para mulheres) – e seus servos, enquanto estão de mudança de seu planeta nativo Caladan para administrar Arrakis, o que nos faz conhecer melhor o universo de Duna e todas suas peculiaridades. Durante 2 horas e 35 minutos somos transportados para uma verdadeira ópera espacial épica e visualmente deslumbrante, com a presença de enormes cenários e locações impressionantes que formam essa identidade visual própria da produção, lembrando outras obras icônicas do cinema como a trilogia O Senhor dos Anéis.

O maior destaque do filme é o deserto de Arrakis (onde se passa a maior parte da trama), atuando como uma espécie de personagem por causa de suas características próprias: desde suas condições nada favoráveis pela falta de água até a sua importância pela produção da substância "melange", sem falar da imponência dos vermes de areia alocados no deserto. Por isso, é muito interessante conhecer a realidade dos Fremens (habitantes do deserto) e como eles lidam com as adversidades locais, onde se exploram diversas questões ecológicas e políticas com uma potência crítica ao colonialismo e à exploração, fomentada especialmente pelos ex-administradores do lugar: os severeos membros da Casa Harkonnen.

Um dos maiores responsáveis pelo exuberante visual é Greig Fraser, diretor de fotografia de Duna que trabalhou em Rogue One: Uma História Star Wars e foi indicado ao Oscar pelo filme Lion - Uma Jornada Para Casa. Ele se favorece do tom contemplativo implementado pela narrativa e direção de Denis Villeneuve para criar algumas das passagens visuais mais encantadoras do cinema nas últimas décadas, mais notáveis na imensidão desértica de Duna. Hans Zimmer é um dos melhores compositores de todos os tempos e sua trilha sonora pulsante e tribal contribui no clima intimista do filme, e também para reforçar a ameaça crescente na narrativa conforme as intrigas políticas tomam conta da história e dos personagens.   

Duna acompanha a jornada messiânica de Paul Atreides

Paul Atreides é o protagonista da história e acompanhamos sua jornada messiânica, onde a trama incorpora bastantes discussões religiosas pertinentes. Ele tem visões recorrentes de uma garota Fremen chamada Chani (Zendaya) e existem sinais de que ele pode ser um Escolhido profetizado pelas Bene Gesserit. Herdeiro da Casa Atreides, ele foi treinado a vida inteira para assumir esse papel de liderança. Timothée Chalamet se prova como a escolha perfeita para esse papel, conseguindo passar as inseguranças do personagem, mas também seu destino para a grandeza conforme sua vida muda completamente com a ida para Arrakis.

"O medo é o assassino da mente. Onde o medo não estiver mais... somente eu restarei"

Duna apresenta uma variedade enorme de personagens e, para isso, um elenco repleto de estrelas de Hollywood foi selecionado para interpretá-los – mesmo que nem todos eles tenham o desenvolvimento necessário. Rebecca Ferguson interpreta Lady Jessica, mãe de Paul, que representa a grande conexão emocional entre o público e a narrativa por causa de sua relação com seu filho – principalmente o medo pelo seu futuro e o peso de suas responsabilidades. Oscar Issac passa a nobreza e liderança necessária como o Duque Leto Atreides. Além deles, Jason Momoa como Duncan Idaho e Josh Brolin como Gurney Halleck são membros importantes para a Casa Atreides e para o treinamento de Paul. Do lado dos Harkonnen, Stellan Skarsgård rouba a cena como o cruel líder Barão Vladimir Harkonnen, enquanto Dave Bautista aparece como seu sobrinho sádico Glossu Rabban. Infelizmente, Chen Chang (Doutor Wellington Yeh) é um dos pontos negativos do filme, pois não recebe o desenvolvimento que seu personagem precisava devido a importância para algumas revelações da trama, que acabam soando mais abruptas e menos preparadas que no livro. Sharon Duncan-Brewster (Liet Kynes) é uma cientista importante em Arrakis e Javier Bardem passa a força de Stilgar, líder de uma das tribos de Arrakis. Zendaya pode decepcionar algumas pesssoas, pois aparece pouco como uma jovem Fremen (Chani), mas ela vai ter um papel bastante importante caso realmente seja confirmada uma segunda parte de Duna.

Conforme a narrativa de Duna se encaminha para o final, o drama contemplativo progressivamente dá lugar para as conspirações políticas, que dominam a história ao melhor estilo Game of Thrones, e acompanhamos grandes cenas de ação em batalhas épicas com excelentes efeitos visuais. Mas fica claro que essa foi apenas uma apresentação desse enorme universo ao público e que muito mais foi reservado pela frente. O filme é descrito como Duna: Parte 1 e seu final não é conclusivo, com a pretenção de Denis Villeneuve continuar essa história em uma segunda parte (que completaria os acontecimentos do primeiro livro) e, principalmente, conseguir se aprofundar ainda mais nas temáticas complexas presentes na obra de Frank Herbert ao longo da jornada de Paul Atreides.

Vale a pena assistir Duna?

Duna é um épico grandioso de ficção científica e um deslumbrante espetáculo visual. Depois de muitas tentativas frustradas de adaptação, Denis Villeneuve finalmente consegue adaptar fielmente a complexa obra de Frank Herbert, apresentando ao público o universo rico de Duna, com uma narrativa contemplativa e temáticas políticas, ecológicas, religiosas e filosóficas que tornam essa história atemporal e necessárias. Duna é marcante, tanto para os fãs do livro quanto para os iniciantes, mostrando todo o potencial que essa história pode alcançar em suas desejadas sequências no cinema. Vamos torcer para que isso aconteça!