Demônios no iPad
por Bruno CarmeloO primeiro terço de Poltergeist – O Fenômeno é ótimo. A família Bowmen chega a uma nova casa, em um bairro pequeno e pouco habitado. O motivo da mudança é claro: o pai perdeu o emprego, e a crise não permite manter os custos de uma casa grande. Por isso, o filho dorme no sótão e o casal tolera os defeitos estruturais do imóvel. O diretor Gil Kenan (A Casa Monstro) dedica bastante tempo às relações entre os membros da família, incluindo um retrato realista do casal interpretado por Sam Rockwell e Rosemarie DeWitt e dos filhos pequenos, com suas brigas e brincadeiras.
O início altera sensivelmente a história e os temas em relação ao Poltergeist original, de 1982. As torres elétricas na vizinhança são filmadas diversas vezes, como elemento imponente e assustador, enquanto o título é gravado como uma sombra no terreno vazio. Esta é uma bela metáfora do que está por vir: um filme de terror adaptado aos tempos modernos, estabelecendo relações com a onda de desemprego, a especulação imobiliária, a era das celebridades instantâneas e principalmente a nossa relação com a tecnologia, o que vai desde a presença de furadeiras até televisores, telefones, tablets e drones. Raros filmes ilustram de maneira tão clara – didática, até – nossa obsessão por equipamentos e máquinas.
Depois de trinta minutos sugerindo a aparição de fenômenos assustadores, o roteiro apresenta todas essas cenas de uma só vez. Dentro da casa, cada um dos três filhos é atingido por uma grande manifestação sobrenatural, retratada em montagem paralela. Infelizmente, esta escolha enfraquece as cenas – duas delas antológicas, retiradas da trama original – que não possuem a força ou o tempo necessário para se desenvolver. Quando o espectador começa a temer por uma das crianças, a imagem corta para mostrar o sofrimento da outra, no cômodo ao lado.
Assim, o roteiro adentra a era do terror contemporâneo, sobrepondo estímulos assustadores, partindo para a lógica de que mais é melhor. As irrupções simultâneas de demônios, brinquedos possuídos e gosmas no chão fazem de Poltergeist um produto semelhante às franquias Invocação do Mal, Sobrenatural, A Entidade e afins. Pelo menos, a chegada das cenas explícitas permite à produção demonstrar seu domínio em efeitos especiais (impressionantes com a árvore, menos impressionantes com os demônios). Estas cenas também reforçam o talento de Rockwell, DeWitt e do ótimo ator mirim Kyle Catlett, verdadeiro protagonista da história.
O terço final transforma mais uma vez a história e o tom do filme. A chegada do especialista em poltergeists Carrigan Burke (Jared Harris) traz à tona os clichês mais gastos do gênero de terror: logo após entrar na casa, o homem faz uma descrição ridiculamente precisa do fenômeno, explicando o plano ideal para salvar a pequena Maddie da assombração que a sequestrou. A tarefa, claro, passa pelo arsenal mais tecnológico possível: câmeras, monitores, fios, televisores, drones entrando no inferno e transmitindo as imagens via iPad.
Enquanto o clássico de Tobe Hooper deixava o público imaginar como eram as trevas, o novo Poltergeist dialoga com o espectador que exige tudo mastigado, de preferência na tela de um tablet. O inferno é espremido na pequena tela, transformada em única arma para a família rever a amada filha – só faltou a possibilidade de dar um “curtir” ou comentar os fatos. Este também é o momento em que o filme abandona as ideias criativas (a cena da furadeira, a alucinação na torneira) para adentrar o tradicional imaginário cristão relacionado ao inferno, ou seja, uma espécie de pântano com caveiras e almas em sofrimento.
Poltergeist – O Fenômeno perde sua força rumo ao final, tentando encerrar a história com uma cena gigantesca, desproporcional em relação ao resto da narrativa. Mesmo assim, Gil Kenan e o produtor Sam Raimi superam os dois maiores desafios do projeto: 1) Oferecer uma refilmagem sensivelmente diferente da original (afinal, ninguém merece cópias fracas como o recente Carrie, a Estranha), 2) Adaptar a linguagem aos tempos atuais, no caso, recorrendo ao terror-espetáculo, à ideia moralista de que famílias unidas podem vencer qualquer obstáculo – vide a cena da corrente humana. O filme de 2015 perdeu o bom humor e a crítica social dos anos 1980, mas, para o bem ou para o mal, soube se tornar um passatempo grandioso, agradável e pouco exigente.