Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Preciosa - Uma História de Esperança

A realidade bate à sua porta

por Francisco Russo

Há quem encare o cinema como mera forma de entretenimento. Diversão rasteira, que proporcione ao espectador mergulhar em um mundo ilusório de felicidade e diversão por algumas horas. O cinema tem esta função, mas restringi-lo apenas a isto é não apenas desmerecê-lo como também a si próprio. É verdade que às vezes a violência e crueza do mundo são tão fortes que a vontade maior é mergulhar numa espécie de transe, que permita que ao menos por alguns instantes seja possível esquecer de tudo que está lá fora. Só que fazer apenas isto é também uma forma de se alienar, se negar a ver o que acontece ao redor. O cinema também tem esta função, a de servir como denúncia e mostrar a realidade como ela é, por mais dura que seja. Preciosa - Uma História de Esperança se enquadra neste tipo de filme.

E como é difícil a vida de Claireece "Preciosa" Jones. Com apenas 16 anos, sofre maus tratos constantes da mãe (Mo'Nique, em atuação impactante). Seu quarto no segundo andar tem ares de cativeiro, muito graças ao enquadramento dado pelo diretor Lee Daniels sempre que a escadaria é retratada. Preciosa já é mãe, mas não cria sua filha. A tarefa fica por conta da avó, já que a criança tem síndrome de Down. Para completar, está grávida mais uma vez. De seu pai, com quem desde criança é forçada a ter relações sexuais. Uma situação que piora ainda mais o relacionamento com a mãe, já que, apesar de haver seu consentimento, são duas mulheres "disputando" o mesmo homem.

Ou seja, a vida de Preciosa é um inferno. Ela sabe disto, mas não tem forças para mudar a realidade. Como a própria diz, "um dia algo vai acontecer ou alguém me fará acontecer". O conformismo e sua incapacidade fazem com que se refugie nos sonhos, onde imagina "um namorado branco e de cabelo bom". Um simples pensamento que revela a falta de auto-estima que possui e, em parte, o preconceito também existente por parte dos negros em relação à sua própria cor.

Pois algo, enfim, acontece: Preciosa é expulsa da escola, por estar grávida. É encaminhada para uma escola especial, onde passa a ter acesso a outra realidade, mais agradável e compreensiva. É o início de sua virada, tendo como motivação a assistente social Weiss (Mariah Carey, descaracterizada de seu glamour habitual) e a professora Rain (Paula Patton). É o início também das revelações, cada vez mais surpreendentes, de sua realidade familiar.

Preciosa é um filme pesado, que apresenta uma realidade muito dura. O que não é novo no cinema, vide filmes como Meninos Não Choram. Inclusive, este é seu grande defeito: a ausência de novidade. Por mais que o espectador se sensibilize ou se choque com as dificuldades exibidas, não há algo nele que o diferencie perante os demais filmes que também se dispõem a retratar a realidade como ela é. O próprio desenrolar da vida de Preciosa, como o subtítulo nacional denuncia, busca uma saída mais fácil dentre as possibilidades existentes, que amenize tamanha privação.

O que sustenta Preciosa é, em grande parte, a ambientação criada por Lee Daniels e a grande atuação de Mo'Nique, ameaçadora e sofrida no decorrer da história. A protagonista Gabourey Sidibe é mais uma bela escolha de elenco, se adequando perfeitamente ao que pedia a personagem, do que propriamente uma grande atuação. E uma pergunta permanece ao término do filme: para que serve o personagem de Lenny Kravitz na história? Mero figurante, poderia ser retirado sem prejuízo algum. Ainda assim, trata-se de um bom filme. Nem que seja apenas para conhecer um pouco mais sobre este universo às vezes tão distante da nossa realidade, mas que ao mesmo tempo convive tão perto de nós.