Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Rambo: Até o Fim

Sangue sem fim

por Sarah Lyra

Quase 40 anos se passaram entre Rambo: Programado Para Matar e Rambo: Até o Fim. Os títulos originais, inclusive — First Blood (primeiro sangue) e Last Blood (último sangue) —, sugerem que o longa de 2019 pode ser o fechamento do recorte cinematográfico protagonizado pelo personagem-título. O que se nota em tela, porém, não apenas se assemelha a um recomeço em muitos sentidos, como um distanciamento dos elementos que consagraram os filmes da década de 80, principalmente pela ausência de uma selva e porque as missões do protagonista nos últimos dois longas são essencialmente de resgate. Este último trabalho, dirigido por Adrian Grunberg, funciona quase como uma primeira continuação (e não uma quarta) de uma saga reiniciada pela produção de 2008, se assemelhando ao seu antecessor em formato e trama e também oferecendo um novo olhar sobre a personalidade de John Rambo (Sylvester Stallone).

Agora, ele é praticamente um pai de família, passa boa parte do tempo recluso em seu rancho e só interage com Maria (Adriana Barraza) e Gabrielle (Yvette Monreal), o mais próximo de uma família que ele já conheceu. Um dos aspectos interessantes na obra de Grunberg é a recusa de explorar a vulnerabilidade de Rambo de maneira mais emotiva — seja pela limitação de Stallone como ator, por questões criativas, ou para reforçar o estereótipo do homem que não chora. Dessa forma, cenas como a de abertura se tornam essenciais no sentido de nos contextualizar sobre as reações do personagem diante do que, claramente, é uma incapacidade de lidar com frustrações.

O roteiro sente a necessidade de inserir, repetidamente, falas em que personagens secundários consolam o protagonista à respeito da tentativa de salvar pessoas em uma tempestade. "Não foi culpa sua", diz Maria em uma cena. "Você fez o que pôde" completa Gabrielle, momentos depois. Na impossibilidade de uma abordagem mais emotiva, o filme usa recursos como esse para apresentar as camadas psicológicas de Rambo: um homem implacável, mas que também tem sentimentos e dores — a cena do confronto final com o inimigo, em que Rambo gera uma dor física extrema no vilão e diz "é assim que eu me sinto por dentro", é o maior exemplo disso.

Rambo: Até o Fim não é um filme mediano qualquer, ele está ciente da importância de Stallone no imaginário coletivo e se pauta nisso para garantir sua relevância, tanto para fins de entretenimento quanto de análise crítica. O ator está atrelado à marca Rambo de tal forma que não se pode desconsiderar sua presença como um componente cinematográfico. Fosse qualquer outro ator interpretando exatamente a mesma trama, sem uma bagagem cultural estabelecida, o impacto certamente seria menor ainda. E apesar das limitações já mencionadas, Stallone entrega uma atuação competente na pele de um homem amargurado em busca de paz, caracterizada fortemente pelo olhar distante e perdido na grande parte de suas interações sociais, e que revela algo que já desconfiávamos: ele está presente em corpo, mas não em mente. Ao ouvirmos Gabrielle usando o próprio tio como exemplo de que pessoas podem mudar, é comovente ouvi-lo dizer que ele não mudou, apenas se controla constantemente para parecer minimamente civilizado. São nesses detalhes que o filme ganha força e gera empatia por Rambo, assim como nos momentos que nos conduzem pelos túneis tão cuidadosamente mantidos por ele.

No que diz respeito à linguagem, Até o Fim se mostra desinteressado em qualquer tentativa de coesão. Embora os flashbacks façam o trabalho de contextualizar acerca do passado do personagem como veterano de guerra, o recurso se torna redundante e excessivo com o avançar da trama. Igualmente sofríveis são as falas em off que ecoam de modo a sugerir a tortura psicológica vivida pelo personagem, enquanto relembra diálogos dolorosos; ou o "por que não eu?" lançado para o céu quando Rambo se vê diante de uma grande injustiça. Nem mesmo os filmes dos anos 1980 recorreram a artifícios tão datados. A montagem, por sua vez, parece ser empregada para confundir mais do que elucidar o espectador, principalmente nas cenas de ação. Note como é difícil determinar a sequência de acontecimentos nas cenas da tempestade e aquela em que Rambo apanha de um grupo de homens. Já no ato final, quando ele prepara armadilhas no rancho, a montagem sente a necessidade de incluir um segundo momento com a mesma função, compilando imagens similares às que já tinham sido exibidas momentos antes.

É sintomático também que, com exceção do protagonista, não há qualquer tipo de ambiguidade nas ações dos personagens. A adolescente age de maneira inconsequente como se esta fosse sua natureza e não pudesse ser evitada; os vilões são sádicos e desprovidos de qualquer tipo de humanidade; os mexicanos são todos violentos, corruptos e ineficientes; e Carmen Delgado (Paz Vega), uma jornalista investigativa que salva Rambo de uma situação onde a morte era certa, além de ter descoberto informações relevantes sobre as atividades dos irmãos Martinez, é retratada como uma mulher frágil e sem os meios para executar a própria vingança, entrando em cena exclusivamente em função do protagonista e desprovida de um arco próprio. Ao contrário do que se imaginaria, Rambo: Até o Fim se encerra da maneira mais vaga que pôde encontrar, com um monólogo final que apenas reforça a disposição de manter viva uma franquia que pouco tem a contar. Dessa vez, nem Stallone conseguiu salvar e, ao que parece, este não foi o último sangue.