Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Pantera Negra

Volta às raízes

por Francisco Russo

Quando o Universo Cinematográfico Marvel foi estabelecido, a ideia básica era que cada herói tivesse sua aventura solo para que, posteriormente, todos se reunissem no clímax Os Vingadores. O tempo passou, mais seres superpoderosos chegaram e a teia existente entre eles fez com que, cada vez mais, participações ocasionais surgissem aqui e ali. Natural, era este o conceito de uma imensa história contínua narrada a cada novo capítulo. Pantera Negra não foge à esta tendência temporal, mas ao mesmo tempo retoma a ideia original de ambientar a realidade de um herói específico. No caso em questão, Wakanda.

Não é exagero dizer que o país-natal de T'Challa seja um dos principais personagens de Pantera Negra. Isolado do resto do mundo de forma a esconder uma potência tecnológica inigualável à base do valioso vibranium, Wakanda é uma conjunção entre as raízes ancestrais do povo africano com tamanha modernidade - não por acaso, a trilha sonora traz muito da força dos tambores. Mais do que a beleza paisagística, chama a atenção a cultura construída em torno de tal lugar: dos figurinos vistosos às máscaras exuberantes, das crenças relacionadas à dança - ou ao movimento dos corpos, como preferir - ao sotaque imaginário e coeso: tudo é muito peculiar a esta localidade, trazendo de imediato uma nova camada ao já imenso UCM, tanto em relação à pluralidade quanto à representatividade.

Em ambos os aspectos, Pantera Negra é essencial. Não apenas por possibilitar um ícone negro como exemplo, para que jovens mundo afora se reconheçam também no universo dos super-heróis, mas também por trazer sua realidade e anseios ao fantasioso mundo da Marvel. Sim, pois o conflito existente entre T'Challa (Chadwick Boseman) e Killmonger (Michael B. Jordan) pode facilmente ser apontado como reflexo dos ideais de Martin Luther King e Malcolm X sobre a posição dos negros na sociedade norte-americana, lá nos anos 1960. Da mesma forma, o filme aborda (de leve) questões urgentes sobre os refugiados e até mesmo dá uma sutil cutucada na ojeriza do atual presidente norte-americano, Donald Trump, às "nações de merda" - atenção ao simbolismo da primeira cena pós-créditos. Mais ainda: há no filme uma textura da cultura negra que vem muito do meticuloso trabalho do diretor e roteirista Ryan Coogler, em tão bem retratar particularidades típicas.

Neste sentido, Pantera Negra é também um ícone na representação feminina. Tanto com Lupita Nyong'o quanto com Danai Gurira e a ótima Letitia Wright, o filme traz mulheres fortes e decididas, com posição de destaque na estrutura de poder de Wakanda. Além disto, o trio surge muito bem na composição de suas personagens, especialmente na divertida dinâmica entre irmãos envolvendo Shuri e T'Challa. No lado masculino, além da boa participação do protagonista há também Martin Freeman, que reprisa seu naturalismo habitual ao compor um personagem bem parecido com seus últimos trabalhos - e, mais uma vez, de forma competente.

Outro aspecto que merece destaque são os dois vilões do filme, bem superiores à média existente na Marvel. Se Andy Serkis encarna um personagem exagerado, daqueles que tiram sarro de todos e curtem a maldade intrínseca, Michael B. Jordan apresenta um viés oposto, raivoso e muito bem fundamentado com base em uma tragédia familiar tipicamente shakespeariana. Pela contextualização do embate com T'Challa, seu Killmonger desponta não só pela força física mas também pelo peso de seu passado de forma que o roteiro, habilmente, insira tal situação dentro do clima de preconceito e abandono típicos de boa parte da população negra nos Estados Unidos. Vale destacar ainda o interessante contraste de sotaques e vocabulário entre o povo de Wakanda e Killmonger, oriundo do submundo da California, quase um easter egg plantado por Ryan Coogler.

Bastante político ao apresentar o ambiente em torno de Wakanda, Pantera Negra oferece ao espectador a suntuosidade de uma nova cultura manifestada a partir de imagens, posturas, cores e roupas. Em meio ao fascinante equilíbrio entre tradição e modernidade, o filme avança mais alguns passos dentro da novela do Universo Cinematográfico Marvel, situando-se entre os eventos de Capitão América: Guerra Civil sem, no entanto, ser uma sequência direta do que lá acontece - ao menos não em relação aos demais super-heróis retratados. Por outro lado, em meio à tamanho apuro na ambientação o filme entrega poucas cenas de ação. Se os dois duelos envolvendo T'Challa são bem resolvidos e funcionam pela tensão intrínseca, as duas sequências mais grandiosas exageram no CGI e na repetição de movimentos do Pantera Negra, especialmente no trecho situado na Coreia do Sul, ou mesmo na multidão que de repente surge em meio à batalha campal. Até divertem, mas estão longe de ser o prato principal neste que é o melhor e mais ambicioso filme da Marvel desde Capitão América 2 - O Soldado Invernal.