Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Tetro

A Arte como Salvação

por Francisco Russo

Francis Ford Coppola é um gênio inconteste do cinema. Poucos têm no currículo pérolas cinematográficas do porte da trilogia O Poderoso Chefão, Apocalypse Now ou A Conversação. Ainda assim, Coppola nem sempre acerta. Nas últimas duas décadas, pelo menos, o veterano diretor tem patinado no comando de seus filmes. Seu penúltimo trabalho, Velha Juventude, nem chegou a ser lançado nos cinemas brasileiros. Este desempenho recente joga de imediato uma dúvida sobre Tetro, seu novo trabalho. Seria um filme digno dos áureos tempos de sua carreira ou apenas mais um trabalho que ganha destaque graças ao seu currículo? Felizmente, a primeira opção é a resposta correta.

Praticamente todo em preto e branco, Tetro traz consigo uma aura de filme noir. A cidade tema é Buenos Aires, mais exatamente o bairro de La Boca, pobre mas repleto de paixões a cada esquina. O espírito argentino, carregado e por vezes exagerado - o tango que o diga -, também ajuda a compor o clima. É em meio à inevitável névoa que chega Bennie, o jovem em busca do irmão que resolveu abandonar a família para iniciar nova vida. Angelo era seu nome, Tetro é o atual. Recepcionado pela bela Maribel Verdú, que por vezes faz o papel da mulher fatal, Bennie fica hospedado na casa do irmão. Só que Tetro não quer encontrá-lo nem relembrar do que deixou para trás. A ânsia em se tornar escritor foi deixada dentro de uma mala empoeirada, largada em cima do armário. É lá que está o segredo do que fez Angelo se tornar Tetro. Bennie, curioso, resolve investigar. E, à medida que descobre a verdade, decide que o único meio de curá-lo é através da arte.

Este é o conceito mais interessante por trás de Tetro. Os traumas familiares que fizeram com que seu personagem-título se tornasse cada vez mais fechado e intransponível são quebrados graças ao uso dos mesmos através da arte. Trata-se de uma trajetória sofrida, dura e complicada, mas necessária. É apenas através do enfrentamento que Tetro pode voltar a si e aceitar seu passado. Uma espécie de fazer as pazes consigo mesmo onde as pessoas à sua volta, é claro, também são atingidas.

Este caminho tortuoso é trazido através de uma fotografia linda, onde o colorido apenas aparece quando surgem memórias, representando também o quanto elas ainda estão vivas na mente de Tetro. Coppola usa as luzes e sombras para dar um clima nebuloso, realçado pelo preto e branco de grande parte do filme. Além disto Tetro conta com cenas memoráveis, que lembram o diretor no auge de sua forma. Duas em especial merecem ser citadas: o quase atropelamento do cachorro e o singelo encontro entre Tetro e sua esposa, onde "I love you" não é dito mas pode-se perfeitamente compreender seu significado, através da leitura labial. Belo.

Tetro não chega aos pés dos melhores filmes dirigidos por Coppola, mas é um digno representante de sua filmografia. Trata-se de um filme repleto de significados ocultos, desvendados de forma a montar um quebra-cabeça sobre o passado dos personagens apresentados. Muito bom filme, especialmente pelo modo como a história é apresentada. Fosse um diretor menos refinado e mais direto ao ponto e Tetro seria bastante diferente.