Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Caça-Fantasmas

Bom sinal dos tempos

por Renato Hermsdorff

Se um filme é a representação da sua época, será positivo lembrar de 2016 como o ano do lançamento de Caça-Fantasmas. Porque, convenhamos, apesar de toda a aura afetiva que protege o filme de 1984, que (de forma justa) ajudou a construir a imagem de bonachão excêntrico de Bill Murray, uma análise um pouquinho mais crítica nos leva à conclusão de que havia um quê de machista na obra, anunciada de cara na abertura quando o saudoso Dr. Peter Venkman pune com eletrochoques um cobaia (homem) em detrimento da gostosa que ele paquera.

Já na fraca sequência, que teve seu lugar em 1989, quando Nova York enfrentava um dos mais altos índices de criminalidade de sua história, uma gosma rosa fantasmagórica ameaçava à cidade alimentada pelo... mal humor da população local? (WTF!)

Corta para 2016. Em uma indústria praticamente dominada por sequências, refilmagens e reboots, que investe no imaginário conhecido (inclua aí o alto potencial econômico da nostalgia) para, não é segredo, disputar o troco na sua carteira, o que poderia justificar a retomada da franquia? Protagonizado por um novo elenco? Ainda: por quê composto por mulheres?

A resposta está na tela. Porque, contrariando a máxima preconceituosa de que mulher não sabe fazer rir, o novo produto da franquia reúne quatro das atrizes mais engraçadas – e de sucesso – da atualidade: além de Melissa McCarthy (parceira frequente do mesmo diretor Paul Feig, em títulos como A Espiã que Sabia de Menos; As Bem-Armadas; Missão Madrinha de Casamento) e Kristen Wiig (eficaz até no fracassado Zoolander 2 – precisa dizer mais?), o longa conta com a escalação das admiráveis Kate McKinnon (pouco familiar para o público brasileiro, ela é um dos nomes responsáveis por renovar o humor do tradicional "Saturday Night Live") e Leslie Jones (que, aos 48 anos, finalmente ganha um papel de destaque – merecido – nos cinemas).

A nostalgia, ninguém é bobo, é clara, a começar pelo título. Mas o que roteiro, assinado pelo mesmo Feig e Katie Dippold (outra mulher, mais conhecida pelo texto da ótima Parks and Recreation) traz de melhor, do ponto de vista criativo, é zerar a franquia. Esqueça (bem, não esqueça, mas pouco importa para quem pegou o trem-fantasma andando) o que você conhece sobre o universo em questão. O novo filme conta uma história original, coesa (nada de gosma alimentada com mal humor) e atual – que ainda aproveita o que de melhor cada atriz tem para oferecer. Prova disso é que (parte de) o elenco original entra aqui pontualmente, em outros papéis, apenas para fazer o novo quarteto brilhar. Mais do que um apelo nostálgico, o resultado – delicioso – é quase um sinal de respeito, um pedido de bênção pela nova geração.

Erin Gilbert (Wiig) é uma respeitada professora universitária que vê uma desejada promoção no meio acadêmico ser ameaçada pela descoberta de um livro que escreveu num passado remoto sobre a existência de fantasmas – motivo de chacota. Ela, então, decide procurar a coautora da obra, a colega Abby Yates (McCarthy), que ainda investe no tema, trabalhando em uma instituição bem menos respeitada, ao lado da cientista maluca Jillian Holtzmann (McKinnon) - e se recusa a tirar o livro de circulação. Em suma: um bando de nerds, uma vez vítima de bullying, hoje desacreditadas.

Um incidente fantasmagórico, no entanto, acontece, o que faz com que elas se empolguem, percam o emprego e se unam para formar o novo time, completado por Patty Tolan (Jones), funcionária do metrô, que entende tudo da cidade de Nova York. A união será a chance de estapear a cara da sociedade.

Ficção, por definição, é um termo desprendido da realidade. Mas espera-se que faça sentido (nada daquele papo de gosma e humor!). E a história contada aqui, com início, meio e fim, traz surpreendentes pontos de virada. Se os efeitos especiais em 1984 poderiam soar meio tosquinhos até para a época, o que dizer de 2016, quando muito se avançou tecnicamente sobre o tema? Pois a Sony investiu, e o resultado final é um dos visuais mais incríveis de uma produção “do estúdio que trouxe Homem-Aranha”. Uma eficaz comunicação com o público infantil na forma, colorida; e, no conteúdo, sobretudo pela porralouquice – ou falta de comprometimento com as regras – que cercam o trabalho e personalidade da Holtz de Kate, uma espécie de atualização do Inspetor Bugiganga, Doutor Brown ou mesmo Doutor Egon. Ela, assim como a personagem de Leslie, são inseridas com menor destaque, mas até o fim da projeção alcançam o merecido destaque. 

Para o adulto mais sagaz, além das inúmeras referências para os que curtem cinema (de Tubarão a Patrick Swayze), ainda há o componente nonsense dos diálogos, inseridos quase como cacos por um time de atrizes inspiradas, o que ainda engrandece a experiência de entretenimento. Sobra até para a crítica (em especial a que se faz abertamente na internet), já que o filme foi alvo de ataques quando o primeiro trailer recebeu mais dislikes do que likes no Youtube.

É positivo constatar que em 2016, quando se discute o empoderamento delas, as mulheres podem, sim, estar no comando – e mandando no Vingador Chris Hemsworth, hi-lá-rio no papel de Kevin, o “loiro burro” secretário das garotas. Mas ainda há o que avançar, como sociedade. Patty, a caça-fantasmas negra, por exemplo, é a única do grupo que não é cientista – e, mesmo assim, tem um papel muito mais valorizado do que o de Ernie Hudson como Winston Zeddmore nas produções anteriores.

Porém, por mais que haja esperança, portanto, você também pode rasgar tudo que leu até aqui e ficar com a conclusão de que, antes de tudo, Caça-Fantasmas é um filme monstruosamente divertido.