Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Duas Rainhas

Rede de intrigas

por Barbara Demerov

"Como deixamos isso acontecer?", pergunta o conselheiro da rainha Mary ao conselheiro da rainha Elizabeth I, com relação aos homens serem os responsáveis por acompanhar as mulheres no trono em suas maiores decisões. Tal questionamento é deixado no ar por muitas vezes, ao mesmo tempo em que as duas personagens, interpretadas respectivamente por Saoirse Ronan e Margot Robbie, são postas uma contra a outra ao longo dos anos – justamente por conta destes mesmos homens.

Duas Rainhas insere essa visão de conflito entre duas mulheres que lutaram pelo trono britânico sem que elas se encontrem de fato. Na verdade, isso acontece uma vez e apenas na ficção, pois na vida real tal episódio nunca foi registrado. Mas tal escolha narrativa já diz muito sobre o filme da diretora Josie Rourke, que não segue atentamente a cada fato histórico e valoriza o olhar para outra interpretação: a de encontrar uma mensagem feminista e de empatia dentro de um universo movido a toxicidade e majoritariamente masculino.

O título original (Mary Queen of Scots) privilegia Mary, a Rainha dos Escoceses e suas vivências em seu país de origem, mas Elizabeth I também ganha bastante atenção na corte britânica. As duas têm espaço para brilhar e ambas as atuações estão excelentes: Ronan entrega uma atitude vistosa e madura para sua Mary, enquanto Robbie intercala força com inquietação com uma postura admirável. O contraste entre uma mulher e outra é extremamente cuidadoso graças, também, ao caprichoso design de produção, que transborda cenários, cores e luzes naturais, além de elegantes figurinos, que fazem com que o filme seja visualmente gracioso. Mas se o trabalho estético está mais do que alinhado para com a época abordada, o mesmo não pode-se dizer sobre o roteiro, assinado por Beau Willimon (House of Cards), que se perde por diversas vezes ao tentar inserir mais subtramas do que este recorte histórico poderia sustentar.

Somente com o fato de focar neste duelo de coroas e no jogo de intrigas entre ambas as cortes, Duas Rainhas já teria espaço o suficiente para brilhar de maneira fácil. Mas Mary se sobressai e isso se estende para aqueles que a acompanham no dia a dia: amigos, marido e meio-irmão. Portanto, algumas intrigas que potencializam seu protagonismo começam interessantes, mas vão se tornando vazias e sem ter onde cair à medida que vemos a ruína de Mary começar a aparecer e seu contato com Elizabeth tornar-se habitual. Quando ambas deixam de ouvir seus conselheiros e olham em volta, para si mesmas e para quais são realmente as ideias que cada uma almeja seguir, Duas Rainhas apresenta uma de suas melhores passagens: a do encontro de duas monarcas perdidas após anos de embate opressivo, sem diálogo direto.

Além da narrativa principal se entrelaçar com assuntos pessoais que não agregam tanto à trama (tendo em vista que este é um filme sobre as duas rainhas), o longa também não hesita em abrir espaço para incluir a discussão religiosa entre protestantes e católicos, que também servem para compor o apogeu entre Mary e Elizabeth. De todas as subtramas românticas e familiares, a religiosa é que se mostra com mais potência, mas também se perde por conta de um discurso que vai se distanciando da trama principal sem ligar os pontos. A presença da figura de John Knox (David Tennant) é um ótimo exemplo disso.

É mais do que justo dizer que este filme possui boas intenções de desenvolver uma ótica atual dentro de um universo monárquico, mas Duas Rainhas se excede por abordar muitos temas, deixando um grande vácuo até seu poderoso desfecho. No mais, impacta muito ver a dupla de atrizes em ação, sejam unidas ou separadas. As atuações de Ronan e Robbie são maiores que os problemas envolta a narrativa, e pelo menos dão à nossa imaginação alguns momentos que poderiam ter acontecido.