Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
O Mágico

Um Mundo Mais Cinza

por Francisco Russo

A presença constante de animações made in Hollywood, quase todas seguindo a cartilha Disney, faz com que filmes como O Mágico surjam como exóticos diante de boa parte do público. Afinal de contas, os animais falantes ou humanizados não existem. A opção pelo realismo deixa de lado as cores vivas, apostando firme nos tons escuros e, por vezes, sombrios. Para completar, praticamente não há diálogos - e, mesmo os presentes, não têm legendas. É o cinema sendo tratado como em sua origem, transmitido pela simples percepção visual do que acontece na tela. O som, presente, serve apenas de acompanhamento da trama, sem grande relevância. Diante de tais características, quantos filmes neste estilo é possível assistir a cada ano? Pouquíssimos. O que não significa que ele seja ruim, muito pelo contrário.

O formato com o qual O Mágico foi elaborado é parte crucial de seu charme. É através dele que conhecemos um senhor de idade, mágico profissional, que realiza seus shows para públicos cada vez mais minguados. Mesmo sendo preterido por bandas de rock e atrações mais populares, ele não desiste. Segue realizando seu trabalho, com a maior dignidade possível. Haja um ou cem espectadores, lá está ele para sua apresentação. A escassez de trabalho faz com que deixe sua Paris rumo a outras cidades, em busca de condições melhores. É numa cidade da Escócia que conhece uma jovem, faxineira do local onde está hospedado, a quem presenteia com um par de sapatos por um gesto de bondade. Ela, fã assumida do mágico, resolve segui-lo quando deixa o local. A dupla passa então a viver junta, ressaltando as duas vertentes do longa-metragem.

Se o mágico é a representação da decadência de uma era, apresentando a situação cada vez mais empobrecida e solitária de uma classe artística que no passado atingiu seu auge, a jovem é o futuro. Com o apoio do mágico, que lhe dá tudo o que deseja, ela floresce. Ganha roupas, fica mais bonita, melhora a auto-estima. Só que a gangorra da vida os coloca em posições frontais: enquanto ela cresce, ele decai. E o futuro é cada vez mais sombrio.

O Mágico é um filme extremamente triste, devido ao acompanhar da decadência profissional de uma classe sempre tão alegre. O hotel onde a dupla protagonista se hospeda é o maior reflexo desta realidade, graças ao desfecho de alguns de seus hóspedes. Entretanto, pior do que a queda profissional é a perda da crença. Mesmo diante de tão complicada situação, a existência da magia sempre foi uma forma de compensação diante de tudo o que ocorria. Até que, um dia, ela também chega ao fim.

Repleto de referências ao já falecido diretor francês Jacques Tati, autor do roteiro, O Mágico ao mesmo tempo encanta, entristece e faz refletir. Em meio à beleza das paisagens dos locais por onde seu protagonista passa, há também a batalha diária pela manutenção do sonho, artístico e profissional. Sua perda é sentida, também pelo espectador. Afinal de contas, o mundo fica mais cinza quando não existe ao menos um toque de magia.