A cultura dos outros
por Bruno CarmeloEsta comédia franco-portuguesa parte de uma premissa simples: uma família de classe média-baixa recebe uma herança e torna-se rica. Como nas peças de teatro populares, a transformação é abrupta, mas serve bem ao propósito do filme, que é de opor os ricos (e o que se espera do comportamento de uma pessoa rica) aos pobres (com o comportamento esperado dos pobres).
Apontar a presença de estereótipos seria banal em uma comédia que explora justamente os estereótipos sociais. Sim, os protagonistas portugueses são zeladores e trabalham na construção civil, como muitos imigrantes deste país na França. Já os ricos são senhoras esnobes e idosas, empresários japoneses e outras figuras que representam certa imagem da elite dos bairros nobres. Cada grupo é marcado por uma forma de preconceito: os endinheirados são percebidos como arrogantes, os que não têm dinheiro são vistos como ignorantes.
A história do diretor e roteirista Ruben Alves poderia parar por aí, exagerando nos traços para fazer rir. Felizmente, a estrutura da narrativa vai além: com a chegada da herança, os ricos moradores do prédio tentam parecer humildes para se comunicar com a zeladora rica, enquanto esta mulher passa a agir de maneira diferente para se adequar à sua nova classe social. Enquanto isso, a filha dos zeladores pretende se casar com um homem francês, e o adolescente português passa a negar as suas raízes diante dos amigos parisienses.
Cada personagem tem um conflito de ordem cultural/social, em uma estrutura não muito sutil, mas capaz de tocar em várias questões importantes como a imigração, a condição precária dos trabalhadores, a vergonha ou orgulho da pátria, a saudade, a aculturação. Não que esses temas recebam um tratamento crítico: a ordem em A Gaiola Dourada é a leveza, a despretensão, de modo que a trama apenas toca nessas questões, sem jamais se aprofundar. A reflexão caberá ao espectador, e não ao filme. Mesmo assim, o diretor consegue criar cenas inteligentes na representação dos clichês.
Durante um jantar, por exemplo, os protagonistas recebem um casal de franceses em sua modesta casa. Como esperam lidar com pessoas refinadas, vestem suas roupas mais elegantes, preparam pratos finíssimos e cuidam do linguajar. Já os convidados, tentando mimetizar o comportamento que imaginam pertencer aos portugueses, vestem-se de maneira confortável, falam o tempo inteiro e se dizem famintos por uma boa comida caseira. Nenhum deles corresponde à imagem que tenta transmitir, todos são representações da representação, e ao reproduzirem os estereótipos, mostram como são grosseiras estas imagens cristalizadas.
A brincadeira com símbolos não vai muito longe: se durante alguns momentos Alves parece parodiá-los, em outros ele abraça sem medidas os clichês lusófonos, incluindo cenas inteiras de fado, participações de jogadores de futebol português e outros elementos do gênero. A intenção é garantir um público amplo: para quem busca uma mínima subversão dos clichês, existem as cenas já citadas de inversão de papéis, para quem se contenta com belas imagens e referências culturais (fado, vinho, paisagens portuguesas), o filme cumpre o seu papel de panfleto turístico, e para quem deseja uma contextualização social da situação dos portugueses na França, o roteiro inclui um rápido panorama da lusofonia em Paris.
A Gaiola Dourada acaba sendo um bom produto de mercado, capaz de seduzir tanto a crítica quanto o público, tanto os portugueses quanto os franceses – e talvez também os brasileiros. A comédia é de fato engraçada, os quiproquós se desenvolvem com um bom ritmo e as atuações são excelentes, especialmente de Rita Blanco, que vai na contramão dos comediantes histriônicos ao fazer um humor contido e respeitoso. O filme não apresenta grande refinamento estético – muitos críticos apontaram, com razão, a aparência de telefilme – mas consegue ser, como precisou a atriz Jacqueline Corado, uma comédia popular de qualidade. E isso é um feito que merece ser destacado.