Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Sem Remorso

Genérico, mas realista

por Vitória Pratini

gênero de ação nos cinemas passou por algumas mudanças ao longo dos anos, mas ainda assim permaneceu o mesmo, genérico. Dos "brucutus" Sylvester StalloneArnold SchwarzeneggerChuck Norris "salvando o mundo" em nome dos Estados Unidos nos filmes da década de 80, chegamos — tardiamente — aos longas-metragens protagonizados e dirigidos por mulheres no século XXI. Porém, seguem sendo maioria as produções nos quais homens se unem para enfrentar bandidos e saem de uma briga armada ou luta mano a mano somente com um arranhãozinho. Sem esquecer as perseguições de carros, sequências insanas e um tradicional tiroteio no estacionamento. Isso explica os sucessos de títulos como a saga Velozes & FuriososOs Mercenários e qualquer filme recente com Liam NeesonSem Remorso tentou inovar isso.

Inspirado no livro de Tom Clancy, o novo filme do Amazon Prime Video traz Michael B. Jordan com o pé na porta do universo Jack Ryan. Suas interpretações de Creed na franquia Rocky e de Kilmonger em Pantera Negra, da Marvel, provaram que o ator consegue mesclar muito bem cenas de drama e ação. Tal performance também se concretiza em Sem Remorso, no qual o ator faz suas próprias sequências de ação e aplica um tom sombrio ao personagem, dividido entre o dever e a vingança. E o mais importante: um protagonista falho, realista, que realmente se machuca, chora, e lida com as consequências.

Michael B. Jordan faz o melhor estilo John Wick vingativo

Michael B. Jordan é John Kelly, um oficial de elite da Marinha que é convocado para uma operação ultrassecreta que nem ele sabe do que se trata. É a famosa cena de filmes de guerra ou de espionagem em que o "herói" atira primeiro, pergunta depois. Em retaliação, um esquadrão de soldados russos mata sua esposa grávida. No melhor estilo John Wick, Kelly persegue os assassinos a todo custo, pois quer vingança. Até aí, tudo bem, um filme de ação tradicional.

Só que aí vem o twist, ou melhor, a reviravolta: o personagem expõe uma conspiração secreta que ameaça envolver os Estados Unidos e a Rússia em uma guerra. Apesar de ter um desfecho previsível, Sem Remorso consegue evocar um sentimento de tensão no enredo, especialmente pela presença de Robert Ritter, um agente da CIA bastante dúbio, interpretado por Jamie Bell, esforçado no papel.

Sem Remorso moderniza livro da franquia Jack Ryan

O filme é um prelúdio da franquia Jack Ryan, que já teve inúmeros longas-metragens, o videogame Rainbow Six, e atualmente segue na série do Amazon Prime Video, estrelada por John Krasinski. Sem Remorso é a primeira adaptação deste livro de Tom Clancy. Escrito em 1993, a produção do diretor Stefano Sollima tenta modernizar o enredo original, mudando o foco da guerra do Vietnã para o conflito na Síria, trocando a etnia do protagonista e até mesmo incluindo uma nova personagem, sobrinha de John Greer, personagem dos livros de Clancy. Tais escolhas narrativas reciclam a história, e são alguns dos destaques positivos da produção.

Certamente, as cenas de ação são o ponto alto do longa-metragem. Filmadas de perto, sem dublês, as sequências são empolgantes e bem coreografadas, evidenciando a assinatura do cineasta italiano, conhecido por produções de guerra como Gomorra e Sicario: Dia do Soldado. Ele emprega um ritmo acelerado às cenas e aposta no mistério de uma trama política bem amarrada. No entanto, não consegue sair do comum. Ênfase para as sequências na água e na prisão.

Michael B. Jordan vem bem acompanhado de Jodie Turner-Smith

Michael B. Jordan, que também é produtor deste longa, transita muito bem entre o anti-herói sedento por vingança e o soldado que não quer colocar em risco sua equipe, e precisa honrar o seu país. Porém, o roteiro raso por vezes caminha para o óbvio e escolhe atos forçados para os personagens, não dando espaço para Jordan exaltar seu lado de ator dramático.

A produção não faz menção à etnia do personagem — e nem deveria, num intuito de subverter o gênero, e normalizar o fato de que negros, mulheres, árabes, etc, podem muito bem protagonizar um filme de ação e não precisam assumir o papel dos antagonistas. Mas é curioso ver que praticamente todos os coadjuvantes em quem Kelly pode "confiar" são negros. A exemplo da excelente Jodie Turner-Smith (Queen & Slim - Os Perseguidos), que interpreta Karen Greer, companheira da marinha de John.

Sem Remorso configura uma nova era para a franquia Jack Ryan/Rainbow Six — como indicado na cena pós-créditos — e, esperamos, para os filmes de ação. Com diversidade e personagens mais realistas e aprofundados, o filme de Michael B. Jordan não reinventa a roda, mas é um bom entretenimento.