Frio até os ossos
por Bruno CarmeloClimas começa com uma cena de tirar o fôlego: um casal passeia pelas ruínas de uma cidade. Enquanto ele tira fotos, ela se afasta. A câmera passa a segui-la, deixando o homem ao fundo. Algum tempo depois, ela se senta, observa o homem, abre um sorriso. Durante alguns minutos, o enquadramento se concentra no rosto dela. Logo, o sorriso diminui, o olhar se torna sério. Ela começa a chorar.
Este momento contemplativo anuncia uma obra hermética, próxima das experiências temporais de diretores como Tsai Ming-Liang, por exemplo. Mas Climas está distante destas obras que privilegiam a estética: o filme segue uma narrativa linear e convencional, retratando a paixão de um professor universitário (interpretado pelo próprio diretor, Nuri Bilge Ceylan) e uma produtora de televisão (vivida pela esposa do cineasta, Ebru Ceylan). O relacionamento atravessa diversos rancores e problemas, nunca plenamente explicados ao espectador.
Pela produção simples, de baixo orçamento, e pela presença de Ceylan e sua esposa em tela, seria tentador afirmar que este é um projeto pessoal e passional. Mas as imagens não transmitem esta impressão, pelo contrário: o contato dos dois personagens é rarefeito, truncado. Eles quase nunca estão juntos, não conseguem se comunicar. Através de uma série de intenções fracassadas de aproximação, o roteiro se esforça em afastar os dois por diferenças de temperamento, de cidade, e principalmente de clima.
O clima, como sugere o título, é o personagem principal desta história. A complexa relação entre Isa e Bahar ocorre durante o verão escaldante, o inverno congelante, os dias nublados, as tardes chuvosas. As manifestações da natureza não apenas fornecem o pano de fundo da história, mas condicionam os humores: o frio parece afastá-los, o calor torna Bahar instável e agressiva, o anúncio de um terremoto na televisão faz Isa brochar durante o sexo. “Eu preciso de um lugar quente”, suplica o professor à sua amada. “O frio daqui penetra até os ossos”.
De fato, o clima sempre foi muito importante nas obras do cineasta turco, mas Climas ainda está distante das obras ultra estetizadas, com fotografia impecavelmente construída e planos milimetricamente compostos de 3 Macacos e Era Uma Vez na Anatólia. As imagens de Climas concentram-se nos rostos dos atores – algo abandonado por Ceylan em suas obras futuras – com fotografia pouco contrastada, cenas internas banhadas pelos tons amarelados das lâmpadas caseiras. As imagens não são particularmente bonitas, e não foram feitas nesse intuito. Elas carregam um naturalismo bruto, condizente com a frieza das relações e do clima predominante na história.
Climas pode ser considerado coerente, coeso, interessante em seu retrato não romantizado do amor. Mas também é um filme que fornece poucas recompensas ao espectador: ao recusar o prazer estético da composição de imagens, e também o prazer da identificação (afastando-se tanto de Isa quanto de Bahar, sem empatia), esta experiência revela-se fria, cerebral. Uma obra digna de admiração, mas incapaz de estabelecer diálogo com seu interlocutor. Como seus personagens, o filme se isola contra a hostilidade do mundo ao redor, tornando-se inacessível e misterioso.