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    Entrevista com Vladimir Carvalho

    Bate papo exclusivo com o diretor de Rock Brasília. Vladimir Carvalho fala sobre o documentário que resgata a história de Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude.

    Capítulo final da trilogia de Vladimir Carvalho sobre a formação histórica, política e cultural de Brasília (os dois primeiros foram Conterrâneos Velhos de Guerra e Barra 68 - Sem Perder a Ternura), Rock Brasília - Era de Ouro foi escolhido o filme de abertura do 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e proporcionou aquela que provavelmente será a mais bela sessão do evento.

    Feliz de finalmente exibir o longa na cidade que adotou como foco de seu cinema, Carvalho nos deu uma entrevista exclusiva destacando a emoção com o lançamento, o início do projeto e também a processo de edição, que partiu de imagens de arquivos de mais de 20 anos atrás.

    Foto: Junior Aragão

    O Festival de Brasília acontece até o dia 3 de outubro e Vladimir Carvalho integra o júri responsável por escolher o vencedor do Troféu Candango. O AdoroCinema está na capital federal a convite da organização do evento e trará a você críticas dos filmes exibidos e entrevistas com outros os diretores e atores presentes, além de detalhes sobre os debates e seminários realizados. Portanto, fique de olho no site e também nas nossas páginas no Twitter (@adorocinema) e no Facebook/AdoroCinema.

    Após passar por outros festivais, como foi exibir seu documentário em Brasília?

    Em Brasília o filme estava absolutamente inédito. Aqui existe um programa bastante interessante chamado teste de audiência. Quando você está finalizando, quando o filme ainda está em aberto, eles (responsáveis pelo programa) convidam pessoas do Rio, de São Paulo, de Brasília e fazem uma sessão com debate com o realizador. Eles realizam uma anotação e o realizador, se quiser, pode fazer modificações. É como se fosse realmente um teste com o público. Mas não tive tempo hábil para isso, quando terminei o filme já estava perto da data de inscrições para o Festival de Paulínia. Depois veio o CineMúsica de Conservatória e embolou o meio de campo de forma que não tive tempo de fazer o teste. Seria interessante.

    A sessão ontem foi uma experiência que me deixou um tanto quanto tenso, mas por ser o filme que é, com uma relação muito grande com a história de Brasília, que como cidade é muito confundida com tudo que envolve o congresso e a política, cria um apelo afetivo, de autoconhecimento e pertencimento. Felizmente, foi calorosamente aceito.

    Fale um pouco sobre a origem deste projeto.

    Eu tenho imagens de quase 24 anos atrás. É um filme que não existia propriamente como um projeto quando fiz os primeiros registros. Eu trabalho como documentarista e praticamente elegi Brasília como o foco da temática geral da minha obra. Eu estou há 40 anos aqui e já tinha alguns curtas metragens quando me mudei. E desses 40 anos até agora, além de filmar fora de Brasília, especialmente no nordeste, eu me encaminhei para este lado de ver a cidade pela ótica do documentário. Isso tudo me levou a vários tipos de registros. Por exemplo: a visita do Papa. Eu não tenho o interesse de fazer um documentário sobre o Papa, mas mesmo assim fiz um registro enorme sobre a visita. A mesma coisa foi com a chegada dos tricampeões em Brasília em 1970. Eu filmei toda a chegada e a caravana que saiu do aeroporto.

    Então quando aconteceu este movimento do rock eu resolvi registrar. Isso decorre também do meu trabalho como professor da Universidade de Brasília (UNB). Para habituá-los na disciplina de documentário, pedia aos meus alunos que tratassem a realidade com um olhar cinematográfico. Cobrava deles matérias de futebol, relatórios sobre trânsito, cultura, teatro, dança, sobre o que acontecesse na cidade. Uma coisa que pedia era observação da rodoviária. A rodoviária aqui é quase que um cruzamento e a cidade passa por ali. Então tem de tudo, do camelô ao retratista, passando pela chegada de imigrantes.

    Quando surgiu esses movimentos das bandas, pedi que me dissessem o que achavam. Corrigi relatórios e discuti muito com eles. Quando chegou 1987 e os grupos começaram a voltar para Brasília já fazendo sucesso, vi que meus alunos não tinham experiência para fazer um filme, então assumi a responsabilidade, contando com a ajuda de outros professores. Comecei a filmar esses grupos. Em 87 teve o show do Sting no Estádio Mané Garrincha e o Capital abriu. Eles já eram conhecidos em todo Brasil, mas foi uma espécie de consagração aqui em Brasília. Já em 88 teve um grande show da Plebe e o show que não terminou da Legião. Foi aí que começou a nascer Rock Brasília.

    Você também foi responsável pela edição do filme. Como foi este processo diante dos 24 anos de arquivos?

    Como passou muito tempo e ocorreram acontecimentos mil desde o show no Mané Garrincha, eu tive tempo nas horas vagas para pensar no projeto. E durante esses 24 anos eu não fiquei parado, fiz vários filmes, então essa coisa ficou decantando. Felizmente estes arquivos ficaram preservados durante esse tempo e agora, há dois anos, eu pude retomar a ideia e fazer entrevistas com eles novamente recordando aquela época e até refletindo sobre a própria carreira.

    O filme é resultado da junção do que era memória com uma atualização do processo deles. Rock Brasília é uma travessia. Guimarães Rosa costumava dizer que “o real não está nem na saída, nem na chegada, o real se encontra no meio”, e foi isso que eu tentei pegar.

    A edição de um documentário é basicamente você consultar, tatear o terreno, como se fosse um tabuleiro de oportunidades. Até você encontrar um vetor que agrega toda a possibilidade do material é uma coisa complicada. Eu sempre digo que só aparentemente o documentário é mais fácil que a ficção, às vezes é muito mais difícil. Você pode ter o material, mas pode não saber qual é a espinha dorsal. Depois que você encontra, as coisas são facilitadas e pode ir encaixando as peças.

    Por que a opção de ouvir os familiares dos integrantes das bandas?

    Você vivendo em Brasília sente muito essa coisa de Juscelino ter empreendido a cidade. Esse “juscelinismo”, que é um fenômeno na política brasileiro, o cara que trouxe a capital para o centro do país, que tornou a possibilidade de integração muito maior, motivou muitas pessoas. Como você pode ver no filme, os pais dos músicos estavam motivados pelo novo, então um deles largou seu emprego no Rio e veio para a Universidade de Brasília, a outra mãe decide que queria ver os filhos nascendo aqui, todos em busca de uma vida nova.

    Era importante retratar essas famílias para entender os filhos nascidos delas. Esses jovens não eram nem engajados, nem militantes, eles falavam pelo instinto da própria libido juvenil. O camarada tem aquela força e não admite nenhuma pressão de uma autoridade, seja paterna, seja na esfera pública, como na questão da ditadura. Eles reagiam naturalmente a isso, sem nenhum preparo ou natureza político-partidária. O instinto foi uma matéria prima que utilizei no filme, foi algo em que prestei muita atenção.

    Você já pensou em realizar um filme de ficção?

    Não. Eu não tenho essa coisa de trabalhar o ator, me acho completamente fake tendo que fazer alguma coisa neste sentido. Às vezes num documentário acabo tendo que fazer algo como uma reconstituição, mas daí a ter uma produção de ficção sob o meu comando é outra coisa. Não é a minha praia. No documentário, o roteiro é algo que é só estrutural, ele é o ponto de partida. O roteiro de ficção, na maioria dos casos, é um ponto de chegada, você faz o texto e roda da forma mais fiel possível.

    Já tem algum novo projeto em vista?

    Não tenho nada definido, mas penso em fazer um documentário sobre um pintor modernista de origens nordestinas, como eu. É o Cícero Dias. Estive em Paris e gravei depoimentos das esposa e da filha dele, que inclusive foi afilhada do Picasso.

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