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    Festival de Cannes 2016: "Se eu não considerar vencer, não posso estar em uma competição de verdade", diz Sonia Braga

    A atriz está bastante cotada para ser premiada por Aquarius.

    Por mais que Aquarius tenha sido bastante elogiado pela imprensa internacional, unanimidade mesmo há apenas em relação à atuação de Sonia Braga como Clara. Aos 65 anos, a veterana atriz de ícones do cinema brasileiro, como Dona Flor e Seus Dois Maridos e A Dama do Lotação, chega ao término do festival com boas possibilidades de ganhar o prêmio de maior relevância de sua carreira. Tudo depende do que George Miller e seu grupo de jurados decidirão.

    Durante sua cobertura ao Festival de Cannes, o AdoroCinema pôde conversar com Sonia Braga, que falou sobre o convite para Aquarius, as semelhanças de Clara com sua própria vida, possíveis premiações e, é claro, o protesto contra o impeachtment da presidenta Dilma Rousseff, no tapete vermelho da sessão de gala. Confira!

    ADOROCINEMA: Como surgiu o convite, não apenas para estrelar Aquarius mas também para voltar a fazer cinema brasileiro após tantos anos?

    SONIA BRAGA: A ideia saiu da cabeça do Pedro Sotero. Em uma reunião eles estavam se perguntando quem seria a Clara, aí o Pedro falou: “e se fosse a Sonia Braga?” Eu não tinha assistido O Som ao Redor e me mandaram um link – ou DVD, não lembro – e coloquei para ver.

    Sabe quando você vai assistir a um filme e se prepara para não precisar levantar? Comecei a assistir e fiz assim: “ahhhhhh...” e entrei em outra dimensão. Vi aquele filme e parei no tempo, fiquei naquele espaço onde existem pausas, onde as pessoas pensam, onde as pessoas param. Daí imediatamente fui ler o roteiro.

    Já comecei a achar estranha essa coisa da fusão, da minha fusão com a personagem. Tudo ia fazendo muito sentido para mim, com todas aquelas palavras que explicavam muitas coisas minhas muito antigas, do meu exílio cultural, que eu mesma fiz fora do país. Tudo aquilo do porquê de eu não estar no Brasil. Tudo aquilo, como a pressão, começou a ser explicado. Então, quando terminei de ler o roteiro, estava meio assim... Entendendo aquele universo. E liguei e falei: “Quero fazer! Adoraria fazer!”

    Foi tudo bem rápido, porque o Kleber [Mendonça Filho, diretor do filme] estava aqui [em Cannes], a gente não se conhecia ainda. Ele voltou para Recife e a gente conversou pela internet. Conversamos bastante sobre o roteiro e imediatamente ele foi para Nova York. E ele voltou para Recife e logo depois fui para Recife, foi mais ou menos assim, bem depressa.

    AC: Antes de Cannes, o Kleber deu uma entrevista que falava muito sobre o desejo de que Aquarius fosse um bom filme para você. E, pelo o que eu pude conversar com todo mundo, como a Maeve Jinkings e o Humberto Carrão, todos falaram da importância da equipe nesse filme. Como você foi acolhida por essa equipe, em que boa parte já vinha de O Som ao Redor?

    SONIA BRAGA: Eu sempre furo um pouco essa regra [da divisão] de equipe e elenco. Acho isso uma coisa tão absurda, eu sempre furo. Você vai pedindo licença e a equipe vai te aceitando, e de repente a equipe já não sabe mais que você não é da equipe, que você é ator e já fica igual. Mas com o Kleber não existe isso, mas um grupo de pessoas fazendo um projeto e todas as pessoas dentro, não importa em que posição esteja dentro do set de filmagem, entende aquele projeto como um todo. Então a colaboração de todos é absoluta, total. Todo mundo se entrega àquilo de uma maneira excepcional, e isso eu nunca vi na vida. Em todos os departamentos.

    Na realidade é meio que uma família mesmo, o diretor de arte, Juliano [Dornelles], é casado com a figurinista, a Rita [Azevedo], e o Kleber é casado com a Emilie [Lesclaux, produtora do filme]. Então eu falava assim: “ô set difícil pra gente flertar! Não dá para flertar com ninguém aqui”.

    AC: Você se sente em família, digamos assim.

    SONIA BRAGA: Não é o sentido da família, mas o sentido da unidade, do pensamento, da colaboração. Porque este grupo de pessoas é um grupo que faz arte, apoia arte, faz cinema e entende de cinema, todos eles, em todas as posições. E todos participam de um mesmo movimento em Recife, que é um movimento de arte, um movimento cinematográfico, social e político. Então essas pessoas são amigas, colegas e companheiras em todos os sentidos, entendeu? E eu fui aceita neste grupo, isso para mim foi muito excepcional na minha vida. Mas eu acho que já fazia parte deste grupo há muito tempo, só estava procurando ele, não sabia bem onde estava.

    AC: Você está ótima em Aquarius e tem sido muito elogiada por aqui. Muita gente te coloca como forte candidata ao prêmio de melhor atriz, e até mesmo já li comentários sobre uma possível indicação ao Oscar. Como você encara esta repercussão, não só do filme em si mas também do seu trabalho e de uma possível premiação?

    SONIA BRAGA: Se eu não considerar vencer, eu não posso estar em uma competição de verdade. Já competi muitas vezes, para Globo de Ouro, Emmy e alguns outros prêmios. Já participei de algumas festas onde fui porque acho importante você estar, e sempre você tem que estar achando que está competindo na mesma altura e no mesmo nível de todos que estão aqui.

    Não vi nenhum outro filme, mas, para te falar a verdade, acho que neste momento ganhar um prêmio seria um prêmio do filme. Se você falasse assim: “se você pudesse escolher...” eu falaria que é o filme, porque o filme é desta equipe, do Kleber, sabe? É este filme! Porque é um momento muito importante, e o que este filme representa dê muita alegria ao Brasil, porque se o Brasil ficar curioso de ver um filme que ganhou um prêmio muito importante vai ser bom que estas pessoas se vejam e reflitam um pouco, e parem de brigar. Esta divisão é muito ruim para o Brasil, e este não é um filme sobre divisão, é um filme sobre reflexão de um momento onde, na realidade, a força exterior começa a atingir as pessoas para elas se dividirem, na realidade. Acho que seria super importante [o prêmio], e um Oscar melhor ainda! Mas o Brasil tem que indicar, né? Para esse filme ser indicado para o Oscar, o Brasil tem que indicar o filme.

    AC: Sim, mas isso seria se fosse para a categoria de filme estrangeiro. O The Telegraph fez uma matéria como se você, especificamente, entrasse na categoria de atriz e aí não precisaria de uma indicação, tem apenas que estrear nos Estados Unidos.

    SONIA BRAGA: E aí eu vou ter que ir lá em nome do filme. Mas para o filme ser indicado como estrangeiro, é o Brasil quem tem que indicar.

    AC: Indo para esse lado do nosso país atual. Houve no tapete vermelho o protesto contra o impeachment da Dilma Rousseff, que deu uma repercussão imensa. Como você vê justamente essa repercussão? Você pôde acompanhar de alguma forma?

    SONIA BRAGA: No meu Facebook, dependendo do assunto, normalmente tem dez ou cem, sei lá, duzentos comentários, e geralmente eu leio todos. Aí eu cheguei em casa e tinha dois mil comentários, agora já deve ter não sei quantos. E uma agressividade impressionante!

    Mas você sabe o que é bom disso? É que essas pessoas existiam antes, e elas passavam pela minha página antes. Era como se me observassem e não comentavam porque não tinha nada do que falar, entendeu? E essas mesmas pessoas... Onde é que elas estavam para me dar um apoio quando eu estava processando a Globo? Falar alguma coisa, ou falar: “ah, Sonia, você está com esse problema, o que é esse problema que você tá vivendo?”, como eu acho que deveria acontecer. Mas, mesmo assim, eu fiquei impressionada, a nível pessoal.

    O Brasil está claramente dividido. A gente não consegue identificar claramente o ponto onde essa divisão começou a ser alimentada, a ser feita, a ser dividida, e como ficou tão dividida. Porque nada disso acontece de repente. Só sei que, nas manifestações de alguns anos atrás, a imprensa estava sendo atacada pessoalmente. Tenho um sobrinho, que trabalha como fotógrafo na Folha de S. Paulo, de quem tenho duas fotos dele: uma com uma bala de borracha na virilha e outra com ele no chão, sendo atacado por um cachorro. Então é uma situação que, como é que a gente vai conseguir unificar, como é que a gente vai conseguir, dentro de uma democracia, voltar um debate político com respeito? Eu não sei se isso é possível.

    Um pouco do meu problema é que, quando as partes são muito separadas, nem um lado nem o outro vai ter nenhum bem, nenhum ganho. O que vai ganhar é o que provocou isso. E a gente precisa botar o dedo nesse lugar. E tem que voltar exatamente onde as águas começaram a se afastar para virarem um tsunami.

     

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